domingo, 25 de janeiro de 2009

Estrela Minha.

«Numa noite de Maio com grossas estrelas no ar largo, olhei para as minhas mãos e vi uma nódoa branca.»
Os passos em volta de Herberto Hélder

O meu aceno não continha qualquer felicidade, nem te olhei sequer. Foram aqueles segundos em que nunca me percebeste, em que, aposto, me amaldiçoaste. A minha indiferença confunde-te. Acelerei o passo, o alcatrão marchando debaixo das solas com desenhos de árvores, que de quando em quando me incomodavam por terem um ligeiríssimo salto. Nunca tivera jeito para me equilibrar.

Cantavas baixinho, tentando ignorar que te ignorava, na tua voz um timbre que me soube a lâmina de frieza. Sim, estavas a ser fria comigo, outra vez. Se era certo que em breve te esquecerias do que acontecera, eu ficaria a remoê-lo pela noite fora. Nunca te servi de grande companhia e, no entanto, insistias em acompanhar-me com a tua companhia, nas caminhadas que eu suportava por achar que me faziam bem para espairecer.

O teu silêncio de palavras com sentido até a mim me irritava, ou seria antes a tua paciência. Não tentaste meter conversa. Eu podia ser teimosa e orgulhosa, mas não era a única. Talvez estivesses apenas cansada de respostas monocórdicas ou, mais simplesmente, de nenhuma resposta. Ainda assim, não me conseguia arrepender de ser eu.

Perguntei-me se falarias antes de chegarmos. Estava a ficar frio, mas não quis acelerar o passo, quanto mais tarde melhor. Voltar para aquela casa era uma perspectiva ainda mais gelada que a de caminhar morosamente com calada resolução.

«Está um céu bonito.» Ah, cedeste, eu sabia que serias a primeira a fazê-lo. Ergui um dos cantos da boca na escuridão. Tu não viste.

«É normal. Aqui não há muitas luzes.» E não havia. Não havia a cidade que engolia o escuro.

«Mas não é só isso. É que… Olha!» Apontaste para o céu, e eu vi-a, ao mesmo tempo que tu. Deslizava pelo manto quase violeta, sulcando as trevas com a sua luzinha tão breve. «Vamos procurá-la!» Ficaste louca, pensei. Mas o rasto branco não me deixara os olhos, depois de ter desaparecido.

Encolhi os ombros. «Se é isso que queres.» A minha indiferença soou-me abalada. Sorriste tão ofuscantemente quanto a estrela cadente.

Segui-te; sabias melhor que eu para onde ir. Quando paraste julguei-te perdida. Mas fitavas o chão e eu fitava-te. A tua face estava iluminada pela alvura da estrela caída, que não cintilava mas era como um candeeiro estragado, acendendo e apagando intermitentemente.

«Que fazemos com ela?» Ignorei-te de novo, mas tu perdoaste-me, perdoas-me sempre.

Toquei a extravagante fonte de luz e senti-a quente e suave contra a minha palma. Queimou-me a alma. Sufocando por dentro, sem sentir o ar mas, ainda assim, respirando tranquilamente, passei-ta, que egoísta da minha parte, dar-te o meu sofrimento. Não te queixaste porém, suspiraste deliciadamente e aninhaste a estrela nas mãos. Nas minhas restava uma nódoa branca de vergonha.


[Para o Colinas.]

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Meu aquecedor.

Não quero perder
As horas que passam,
Não quero esquecer
Os segundos que fogem.

Desejo pois, inocente,
Que de mim não se apiedem;
Criança eternamente,
Vivendo à beira do tempo.

Mas se o tempo não passa,
Ai de mim!, não te sinto.
Se os segundos fogem, que desgraça,
Os momentos nunca chegam.

Na minha pele beijo gelado,
É de frio meu estremecimento.
Não me aquece o tempo, amaldiçoado,
Sem sensibilidade de corpo.

E és tu, então,
Meu relógio de tempo parado,
Tu, tua fria mão,
Que aqueces meu dia cansado.


[Dedicatória.]