terça-feira, 27 de maio de 2008

O meu nome.

Fria.
Resolutamente gelada, sem o calor
sequer da melodia gasta.
E ainda, por demais, indiferente.
Presa pela minha cadência que
nunca, jamais, é monótona.

E ser vária!
Ser gota e gota e gota
x o quase infinito
e infiltrar-me, penetrando,
por toda a parte, olvidando-me
e dividindo-me! Estou e sou
aqui e aqui (ou no acolá próximo); e nunca,
[mais nunca que antes]
há em mim solidão, que ela esvai-se
como eu me esvaio,
por peles douradas,
e casas caiadas-pintadas
e telhados que vêem toujours o sol,
pelas imundas sarjetas onde
escorrem também os detritos do mundo,
ou pelas folhas que se diriam orvalhadas,
se estes pedaços diamantinos de mim
fossem menos e menores.

Eis-me! neste exaltar de mim,
celebro-me gloriosamente
ao escorrer-me para o meu terminar.
Por agora (me!, me!, me!)
transformo-me e sou una e sou partes
que se descaem e me desfazem
e me arrancam bocados.

Plim plim plim plim
que ecos doces que me abalam
ouvidos que não tenho.
Sou-me, enquanto desço e deslizo e serpenteio
neste êxtase de quase delírio,
"Lucy in the sky with diamonds",
mas sem saber quem é esta Lucy,
e do céu caio eu, desmanchando-me.

O meu nome é chuva.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Espécie de discussão filosófica.

(Conversa numa wiki criada pela Ana para uma aula de tic II, e transferida para aqui por ser demasiado preciosa para ser perdida.)

Muahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!

Ou spam.

Ou um exemplo de vandalismo. Nada como mostrar o que não se deve fazer…

… quando se pretende fazer uma página medíocre. Se se quiser uma perfeita, esta serve.

No fundo, tudo pode ser perfeito. Basta escolher o que se deseja que seja perfeito. Assim sendo, esta página é mediocramente perfeita.

No entanto, a perfeição é única e somente uma pessoa que dispensa apresentações, pois toda a gente sabe que não existe, mas que pensa, portanto, segundo Descartes, existe.

Pensa, mas deixa levar-se pelos sentimentos. Não há nada de racional no egocentrismo. E não esqueçamos quem era Descartes: um racionalista convicto.

Ah pois, mas como egocêntrica a perfeição usa o que sabe a seu favor, acreditando só no que lhe convém.

E apercebe-se, então, de que não é perfeita, por mais que queira acreditar no contrário, até acordar do pesadelo, quando vê, com alívio, que afinal ainda é a perfeição e perfeita (muahah! redundância! ou pleonasmo).

Redundâncias… Pleonasmos… Só coisa que a perfeição não necessitaria se realmente fosse perfeita. Afinal parece que, de forma até paradoxal, o sonho é o único universo em que ela é realmente perfeita.

É perfeita em todos os universos, ou não seria sequer perfeita. Sendo-o, todas as maneiras em que se expressa também o são, já que não passam de formas de expressão sonhadoras.

Shiu, sua vândala! x) Perfeição que é perfeita é perfeita, se eu tenho uma imagem de perfeição ela tem de existir, a perfeição sou eu. Eu penso, logo, existo. Logo, a perfeição existe!

É verdade que pensas, logo, existes. No entanto, quem existe és tu e não a imagem que crias de ti própria. É por isso que não és a perfeição. Porque a tua imagem é perfeita, mas tu não.

Mas a imagem que tenho de mim é imperfeita. Ou não seria eu. Apesar disso, não deixo de ser perfeita. Já não faço a mínima ideia do que ando para aqui a dizer.

Nem eu, embora continue convencida de que não és perfeita.

No entanto, há algo que nenhuma de nós pode negar: esta página é perfeita. Um autêntico hino ao vandalismo de wikis.

Pensava que achavas que a perfeição não existia. Mas sim, é perfeita. Viva o vandalismo de wikis!

Mas eu acredito na perfeição, apenas não a vejo em ti.

Enfim, parece-me ser altura de acabar com esta conversa de vândalas pseudo-filosóficas. (É com hífen? Se não for tens aí um botão que já conheces muito bem.)

Conhecerei? Ou será o meu espírito? Oops, é para parar.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Auto-Retrato Desafinado

Era fácil perceber que não estava concentrada. Via como caminhava devagar, olhando vagamente para o chão do passeio e para o céu nublado, esperando – quem sabe o que esperava? Aparentava ser mais pequena do que era, a cabeça várias vezes enterrada no cachecol, como se procurasse ocultar-se e desaparecer. Tornar-se invisível, decerto, era o seu maior desejo. Dos cabelos pouco se via, a maior parte cobertos pelo gorro que nada tinha a ver com o resto da sua indumentária. Puxava-o constantemente, como se temesse que ele fosse cair ou voar com o vento forte. As mãos – quão deliciosamente pequenas! – quando não se encontravam a ajeitar o gorro, escondiam-se no calor reconfortante dos bolsos do casaco preto comprido, demasiado largo para si. Uma pequena mochila pesava-lhe as costas, aparentemente mais carregada do que seria suposto.

Um pé acertou com um splash! numa pequena poça de água, resquícios de uma chuva que parecia querer voltar. A bainha das calças já estava completamente encharcada – talvez estivesse a fazer pontaria aos mini-lagos no seu caminho. Os seus lábios entreabriam-se; a melodia (se se poderia chamar melodia a tal desafino) contrastava com o silêncio que os outros transeuntes pareciam ter imposto a si próprios.

Um redemoinho de folhas cercou-a, em tons amarelos de Outono decadente. Com um gesto exasperado, repentino, arrancou o gorro da cabeça, guardando-o na já atafulhada mochila. Os cabelos despenteados, de meios caracóis escuros (castanhos!) ondularam, demasiado pesados para se agitarem com o vento. Parada no semáforo, olhou para as árvores com um sorriso. Mas adivinhar-lhe a mente era – tarefa vã – impossível. Ajustou os óculos na ponta do nariz, desatentamente, e o sorriso desmanchou-se, devagar.

Atravessou a passadeira num passo rápido, apressado, reflectindo na sua caminhada os sentimentos efervescentes que a agitavam interiormente.

E, sendo quem era, foi nada mais que a voz desajustada do silêncio corrupto citadino, desafinada.


[Já antigo.]