terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Soneto II.

São tão breves estes suspiros no fim
Revejo o que já foi, o que é passado
Perdoado foi já, esse pecado
Por favor, toma-me a mão, assim.

Pintei de branco as paredes em mim
Arrumei meu coração maculado
A s’prança guardei em baú fechado
Por favor, toma-me a mão, assim.

E s’um dia eu for tocada pelo mar
E se depressa chegar o meu tempo
Não fiques triste, to rogo, e sorri

Será tarde de mais para chorar
Ninguém ouvirá então teu lamento
Guarda antes minha mão para ti.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crença.

À Leto

Quebrei as convenções
Amaldiçoei credos,
Movi multidões
e nunca acreditei em mim.

Jurei verdades perversas
E entoei canções bastardas
Com minhas palavras controversas
e nunca acreditei em mim.

Seguiram-me reinos e reis
Gritei a quem me ouvisse:
“Desafiai-me, se vos atreveis!”
e nunca acreditei em mim.

Do que quis fui eleito senhor,
Espalhei boatos, rumores
Dei falsa alegria, era dor
e nunca acreditei em mim.

E agora que é tarde, o fim,
Ajoelho-me, peço a todos perdão
Garanto que é puro meu coração
e ainda não acredito em mim.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Soneto.

Não sei se te lembras daquele dia.
Éramos ambos tão vãos, tão perfeitos.
Nossas bocas rompiam-se em trejeitos
Que bela manhã! Tamanha alegria.

Tão suave era o céu; mesmo o sol sorria.
E só à vida estávamos sujeitos.
Sem seguirmos regras leis preconceitos
Sós, mas na mais perfeita companhia.

Tristes mendigos da inocência vã
Não queríamos nós a dor, jamais
Nada existia para alem de nós.

Mas o hoje acabou; é o amanhã
Sorri e disse-te “adeus, até mais”
Da memória fugiu a tua voz.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Caiemos as paredes de branco.

À Crook

Caiemos então as paredes de branco,
Porque o branco não fere os olhos.
Repousemos depois, a hora é boa,
Não compensa o cansaço, que a vida é breve.

Conhecer apenas entorpece os sentidos,
Atrapalha os claros juízo de valor.
Não tomemos para nós mais que as flores,
Mas depois larguemo-las, antes de murchas.

O que vivemos já nos chega, já nos basta;
Não queremos viajar pesados,
Se viajar é forçoso e viajamos no tempo.
O Fado prende-nos e de que vale a rebeldia?

Acreditar em algo mais que no tempo,
Deixa que te diga, sem mais rodeios vãos,
É coisa fútil, bem o sabes.
Agarra agora teu coração, ata-o a ti.

Que não te fuja a glória enquanto crianças somos,
E se crianças formos para sempre,
Mesmo adultos sisudos austeros exasperados,
Seremos gloriosos com o esplendor dos que não crescem.

E quiçá seremos mais bem-amados,
Talvez o tempo nos perdoe as falhas e os medos.
Vivemos porque nos passa o tempo,
Devemos a vida à mortalidade.

Sente-o, escorre por ti e toca-te a pele,
Parece o vento, mas o vento não traz o fim.
Sopram-se as flores do teu regaço para o longe
E espalham-se no horizonte para lá, para céu.

Cantaria se minha voz fosse mais que efémera,
Sorriria se meu sorriso te tocasse;
Não dura mais que um momento,
Não te toca senão os olhos.

E apartados somos tão próximos quanto juntos,
Nunca estendemos os braços, não há enlaces,
Quão fútil seria o amor, esse duvidoso,
Se reduzido a troca de toques.

Não tenhas pois medo do tempo,
Queda-te e vive e sabe o que é viver,
Que não é mais que sentir o tempo escoado,
E das memórias despoja-te.

Eu ficarei aqui, (em qualquer lado é bom,
Todo o lado é o mesmo) a ver-te,
E de ti recolherei apenas os olhos.
Serão, no fim, oferendas a Caronte.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Queda.

Tanto ascendeste, meu amor,
que agora desconheces,
na tua cega apatia do apogeu,
que a queda é maior que a escada.

Nunca subiste tanto, meu amor,
nunca antes tocaras o céu,
e agora não sabes como é duro,
como descer é o único caminho.

Não temeste por ti, meu amor,
enquanto eras tão áureo e ofuscante,
refulgias como sol poente,
todo tu ouro polido.

Não temeste pelos outros, meu amor,
pelos que te tomaram por deus,
um culto que te vangloriava,
arrastando atrás a glória.

E agora que tens de descer, meu amor,
perdes-te e devaneias sonhos alucinados,
o medo toma de ti conta,
estremeces ao deixar para trás o estio.

Arrastaste contigo as cores, meu amor,
nessa tua queda espiralada no nada,
manchaste o negro de cinza,
estás agora moribundo, enfim.

Chegou agora o final, meu amor,
sopra pois teu fôlego último,
suspira dó e lamento fúnebre,
deixa-me desencantada carpideira.

Velo agora por ti, meu amor,
por tua mente quebrada e ida,
demasiado depressa desceste,
foi teu o fim mas eu fico morrendo.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Duas e dezassete.

São duas e dezassete e
o meu coração fechou portas.
Hoje não entra mais a vida,
quero-a lá fora,
aqui está muito apertado.

Amanhã veremos,
talvez seja mais arejado o dia.
Por enquanto fico só eu,
eu só, sozinho,
e bem me chego.

Fechou portas meu coração,
cansado, e expulsou a vida.
Vagabunda, que se aproveita
da sua simpatia generosa.
Que desfaleça.

Quiçá hoje seja tarde,
não tarda é cedo.
Cedo demais, e assim me vivo
e vive o meu coração,
de portas fechadas por hoje.

Hora-má a de ponta,
faz a vida fila a par com o tempo.
Entopem-me a apatia
e bloqueiam-me o sono,
cruéis.

São ainda duas e dezassete,
e o meu coração está de portas fechadas.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

I

Quero sentar-me na noite e
jogar às cartas com o Silêncio.