sábado, 29 de março de 2008

Quebra.

É o vento mar(e)chando com indolência,
deambulando por entre os bosques,
embalado pela sonolência do estio,
não passando, então, de brisa.
Zéfiro sorridente, traspassando, com seu sopro,
as cúpulas sagradas (de) folhudas árvores.

É o calor que se distende, retraindo-se
sob a sombra, que ameniza as cores,
roçando de fresco as peles descobertas,
beijando-as com suspiros vagos.
Abre-se o sol pelas janelas airosas
e espraia-se o dia por mim.

Ah!, e minha alma canta ao tempo,
pintando, ao de leve, as delícias tiquetantes
que estendem lânguidos braços-tentáculos
por estonteantes gemidos de torturado prazer,
E sim! Sou tudo, e meus ouvidos clamam
por sons incoerentes e inarmoniosos;

minhas mãos choram pelo áspero e pelo rugoso;
meus olhos pelo arder e conspurcar de visões,
que são quadros pintados a veludo, palpados
por dedos de volúptia contagiosa;
minha boca anseia pelo agridoce
que tantas vezes lancinou meu peito.

São pragas ou preces de crença.
Não me subestimes, rogo-te!
Sucumbo à religião ensossa,
que traga rebentos de sabor vertido.
Seriam curtas as manhãs,
se não tivessem laivos de sabedoria.

Fende a luz os céus barrados a negro.
Antecede o suspiro pesado, doloroso,
que não entendem os mártires,
inebriados com promessas condicentes.
Rasgo-te! Sou o brusco relâmpago.

Já bebeste da taça?
Quebra-a.


[Iniciado a 20.03.2008.]

sexta-feira, 21 de março de 2008

Sonhos de Alfazema.

Dir-se-iam sonhos de alfazema.
Mas aquiescem e perdem os sentidos -
são cegos, agora.
Mudos, surdos, paralíticos cadáveres
compadecidos pelos vivos.

São o que restou dos destroços
de tempestades irreais,
as ruínas à deriva em mares iludidos.

Caíram no degredo da putrefacção,
olvidados pelos escombros,
caixões pesados - barcas além-rio,
para atravessar para os mundos de Hades.

Perséfone embala-os meio ano,
prendendo-os em bagos sumarentos
trazidos de aleg(o)rias de vivos.

São fragmentos, estilhaços de porcelana,
a quem lhes foi roubado o espectro.
E vagueiam, em eternos oceanos do submundo,
em busca das violáceas recordações de alfazema que,
outrora, foram.


[Para o Colinas.]

domingo, 16 de março de 2008

Cansaço.

cansaço.
talvez o de Campos
-íssimo
ou daquele que absorve
os quentes do pôr-do-sol
vastos sobre a cidade
quando as luzes se acendem.
ou, quiçá, o cansaço
dos dias de caminhadas
labirínticas
que nunca conduzem
senão a casa.
quem sabe se será
o cansaço da juventude
insatisfeita
mas que se contenta
com viver.
ou o que escorrega
pela rotina
contorcendo-se
e espremendo-se em sonolência.
mais vale aguardar o inevitável
Fado de Reis
porque viver cansa.
e, se a Fortuna nos sorrir
o cansaço pela felicidade
que recompensa a fadiga física
e o cansaço de alcançar
- que saudoso lamento! -
o apocalipse renovado da luz-fénix
são padrões decorados pelos deuses
antes que as Parcas cortem,
com tesoura rangente,
o fio.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Gosto.

Gosto de cantar. Gosto de sorrir. Gosto do Inverno. Gosto de dias de chuva. Gosto de jogar às cartas. Gosto de começar uma história. Gosto de verde lima. Gosto de mensagens de pessoas importantes. Gosto de feriados. Gosto de usar as máquinas fotocopiadoras da biblioteca. Gosto de sorrisos de estranhos. Gosto de sorrisos de amigos. Gosto de estar inspirada. Gosto de bons professores. Gosto de orgias no msn. Gosto de franjas. Gosto de peluches. Gosto de Final Fantasy. Gosto de livros. Gosto de canetas. Gosto de paus de incenso. Gosto do Igor. Gosto de Cluedo. Gosto de folhas em branco. Gosto de folhas escritas. Gosto de cartas. Gostos de rabiscos. Gosto de músicas. Gosto de cadernos por escrever. Gosto de desenhos abstractos. Gosto de borboletas. Gosto de giz. Gosto quadros pretos. Gosto de aulas divertidas. Gosto de caril. Gosto de fotocópias quentes. Gosto de pães acabados de fazer. Gosto de iogurtes com pedaços de morango. Gosto de fazer bolos de chocolate. Gosto dos meus crepes aldrabados. Gosto de ti. Gosto de cachecóis. Gosto de gorros. Gosto de ovelhas. Gosto de brincos. Gosto de powerpoints. Gosto de abraços (ronronantes). Gosto de coincidências. Gosto de água fresca. Gosto de perfumes individuais. Gosto de filmes em família. Gosto de risos. Gosto de sonhos bons. Gosto de saltar. Gosto de implicar. Gosto de fazer nada. Gosto de acabar as aulas. Gosto de dormir até tarde. Gosto do nascer do sol. Gosto de não gostar de álcool, chá e café. Gosto de distracções. Gosto de caligrafias bonitas. Gosto de escrever nas costas de panfletos. Gosto do lado positivo das coisas. Gosto de gritos de alegria. Gosto de caracóis. Gosto de cogumelos. Gosto de cores. Gosto de aprender coisas interessantes. Gosto de poemas. Gosto de recursos estilísticos. Gosto de quem adivinha o que não digo. Gosto de entusiasmo. Gosto de felicidade. Gosto de café com leite. Gosto de torradas. Gosto de chocolates. Gosto de memórias doces. Gosto de guarda-chuvas. Gosto de me deitar na relva. Gosto da sombra num dia de sol. Gosto preto. Gosto de branco. Gosto de fazer cócegas. Gosto de companhia. Gosto de solidão. Gosto de trovoadas. Gosto de adormecer. Gosto de viagens com amigos. Gosto de desenhar. Gosto de fazer fimo. Gosto de singstarar com a família. Gosto de tardes em casa. Gosto de massas recheadas com cogumelos com molho de natas com cogumelos com quadradinhos de fiambre e orégãos. Gosto da Fnac. Gosto de gargalhadas maléficas. Gosto dos sustos que trazem alegrias. Gosto de misturas de línguas. Gosto de bons professores. Gosto das panquecas com syrup do meu pai. Gosto de chegar a casa cansada. Gosto de deitar a língua de fora a crianças desconhecidas. Gosto de debates que não levam a lado algum. Gosto de ter razão. Gosto de boas surpresas. Gosto de mantas. Gosto de ser infantil. Gosto de saltitar nos quadradinhos coloridos do Colombo. Gosto de rebuçados de limão.