terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Palavras de Cinza.

Ficámos para trás, olvidados,
Esboçados sentidos expoentes.
Éramos então importantes,
Restámos abandonados;
Somos agora pecados,
Manchas em imaculados inocentes.

Contámo-nos contados
Relidos em indelicada impaciência.
Fomos resquícios de vidas,
Agora somos enjeitados,
Na lareira ardemos, queimados,
Gasta está nossa breve sapiência.

Pois que de nós resta, se restamos?
Fomos o agora pela mão,
Pela chama o antigo somos.
Enegrecemos, encarquilhamos,
Agora cinzentos, esbranquiçamos.
Isentos do mundo, guardados no coração.

E somos palavras de cinza.

[Colinas, 23/12/08]

domingo, 7 de dezembro de 2008

Amores de mim.

Chamo pelo cheiro a chuva,
Enxotando o estio para a distância.

Chamo chilreios de gotas,
Escorrendo pelas janelas minhas.

Chamo, chamo por elas,
Deslizando cheias de sons.

Chamo e espero, espero e chamo,
E elas tardam mas chegam.

E chegam cheias de cheiros,
Cheiros e chilreios e chamam-me.

Nestas danças de enxurradas
Vivemos despertando cadeias chuvosas.

Até chegar o sol e fecundar a chuva,
Pais de arco-íris resplandecentes.


[Colinas, 07/12/08.]

[link]

sábado, 6 de dezembro de 2008

'Sperança.

De onde vens?, pergunto eu,
Mas não há resposta alguma.
Onde jaz agora a ‘sperança,
Viva em tempos de bonança,
Já vida não resta, nenhuma,
E até o negro morreu.

Mas quedo-me aguardando,
E o corpo da morta fito.
E se algum dia soube viver,
Soube ser mais do que ser,
Tal longe ficou agora, mito,
E despojada me deixo chorando.

Não há cores restantes,
E o cinzento Senhor se clama.
É contradição que persiste,
No seu trono de névoa resiste.
Dias há em que por mim chama,
E de mim olvido o que era antes.

Porém, esgota-se o som cantado,
Ficam os ásperos roçagares do luto.
E os corvos grasnam imprecações;
Antes fossem pragas, maldições.
Oh, ‘sperança, minha vida pela tua comuto,
Devolve pois o mundo ao meu mundo amado.

[link]

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Eau de Toilette.

E enquanto vagueio, rumo definido, aguardo o que já se pressente. O que os meus olhos não vêem, cegos pelo que ainda não chegou, e o meu corpo ainda não sente, mas antecipa, efervescendo de deleite. Generalizo, e digo que é sempre assim, que, primeiro que sentir, ver ou saborear, me chega este aroma a ti, meu amor, minha chuva. Mas mentiria. Porque o teu perfume paira mais quando já te esfumaste - ou escorreste serpentinamente - e resta o sabor do teu cheiro.

Sabes-me, poderei arriscar, a dias de Inverno que tanto me desejam, e cujo desejo eu retribuo. Ou aos dias de Verão em que, lá fora, no jardim de relva crescente, se espraia a rega da manhã (ou, quiçá, da tarde, um pouco atrasada), e aí sabes-me sempre a casa, ao lar que me embrulha em cobertores familiares e rusgas fraternais. Também me sabes ao cansaço, e delicio-me com o teu sabor forte e firme quando deixas as estradas molhadas sob o rasto de acelerados pneus e marcadas travagens, enquanto o caminho que escorre por baixo de mim é o mesmo que um dos teus, que são tantos e todos eu amo como a ti, mas espero chegar ao meu destino e ver-te com o prazer da distância e da ilusão de contacto.

Uma vez senti até um travo doce a morte, ao tranquilo que resta depois das turbulências inesperadas e aos confortos súbitos, e minhas defesas derrubei para ir ao teu encontro, sem a protecção que todos esperam e com a delicadeza dos abraços. Lembras-te? E sabias também a noite, não se se te recordas, sabias às nuvens que não deixam ver as estrelas - mas quem vê estrelas nas cidades ocupadas?

Sabes-me às auto-estradas engarrafas e aos passageiros dos autocarros que nelas vogam, e aos dias em que é forçoso despertar cedo e onde me fazes mais companhia que o amanhecer luminoso. Sabes-me a felicidade e a melancolia, tudo junto num coktail que emerge de uma omnipresença da qual és capaz, não sei eu como.

E quando te inalo finalmente, depois de te cheirar apenas, eau de toilette do mundo, embacias-me com esse teu aroma penetrante que não diria bom ou mau, somente teu, intenso mas suave, inescapável.

[Para o Colinas.]

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Metamorfose.

Era noite, como é sempre noite quando os dias são curtos e nunca chegam para nos aquecer por dentro. As luzes da cidade viva e pardacenta brilhavam mais do que as estrelas, mais do que o luar de uma lua redonda que quase nem se via, ocultada por prédios de andares resguardados por estores por entre cujas frestas escapavam, fugidios, subtis e iluminados rastos de vida, rastos de luz. As árvores restolhavam como se cobertas de milhares de pássaros que agitavam as suas asas; mas os pássaros haviam partido com o calor e os que restavam resguardavam-se do frio da noite. Deles apenas restavam sombras balançantes no chão calcetado que lembravam agoiros de corvos de olhos inteligentes e traiçoeiros.

Mas eram essas as sombras que amavas, e esses os corvos que te faziam companhia nas horas vazias da noite - vazias como te julgavas. Eram essas as horas em que te expandias, em que fugias das tuas prisões terrenas e te evadias com os raios fracos de luar e os brilhos difamados das estrelas que não se viam, mas que tu vias. E, para ti, não existiam os prédios nem as árvores descascadas e denegridas pela noite, nem as janelas que olhavam sobre o mundo dos outros, descaradamente. Não existiam as cordialidades e as formalidades deslumbrantemente repugnantes que te atrocidavam durante o dia e te desfaziam em pedaços imperfeitos de ti. Não havia a indignada maldição de outros que não te conheciam, ou que não te queriam conhecer, e afamadamente se ocupavam das suas vidas descoradas.

Aspiraste o ar sombrio e deleitante dos ditos obtusos sonhos e memórias que explodiam pelas janelas alheias, e, de olhos cerrados, sentiste a ignorância de não saberem mais que o que lhes era segredado por detrás de portas entreabertas e vãos de escadas cobertos de pó. E houve uma altura em que verdadeiramente olvidaste as indecências julgadas decentes do dia-a-dia, essas condolências corriqueiras que te faziam sentir vã, e desmanchaste-te em centenas de aves - corvos, diria, se tivesse visto - que pairaram na noite para o longe, para longe da infelicidade ou dos arbítrios do Fado que nunca quer se não mal a quem ao seu encargo se encontra.

E de vazio em tudo te tornaste.

[Para a excelente pessoa [link].]

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Conta.

Vamos, conta comigo.
Conta os sóis poentes
e as palavras repetidas,
Conta as cores do dia,
conta as canções da noite.
Contas?
Conta, não digas não.
Conta como contámos as vezes
que o meu nome ecoava
nas salas forradas a insensibilidade.
Conta, vamos.
Conta as espirais enevoadas de nevoeiro,
conta flores em jarras,
banhadas na água do esquecimento.
Conta as gotas de chuva
que são do meu sabor,
conta o que eu conto quando canto contigo.
Conta as horas que regridem,
quando os segundos subtilmente
apagam a sensibilidade
ao cair da noite.
Conta, até contar ser impossível
e na boca se te enrolarem
os sons que contas.
Aí, quando contar mais não puderes,
embala-te no que contas,
contando que não adormeces sem mim.



[Dedicatória.* E obrigada a quem se lembrou.]


*[link] [link] [link] [link]

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Noite.

«A frescura verde do dia escorrera das árvores»
in O Deus das Pequenas Coisas, de Arundhati Roy


Olhei, e já tardavam as cores em fugir do dia. Tardava o entardecer da tranquilidade que amava. Ainda não desaparecera o sol que eu sabia descer, mas que se me assemelhava imóvel e quedo, sem se aperceber deste meu desejo de que o tempo passasse e deslizasse para o longe. As estrelas ocultavam-se ainda, não ousando subir por mim no céu de plástico pespegado a nuvens de fita-cola opaca.

"Porque demoras?", perguntei. "Que te detém?"

Respondeu-me a noite. "Estou cansada." A voz arrastada vinha da distância, de um longínquo afastado de mim. "Cansada de me erguer incessantemente sem propósito que este de seguir um vício."

E imóvel se quedou, e imóvel ficou o céu e as estrelas não surgiram. Esperei, e não escutei os ruídos do crepúsculo. Suspirei, e aguardei pela continuação.

"E destas celebrações em minha honra, que amam vós para além do escuro que vos ofereço e do silêncio que não é só meu?"

"Amamos-te, oh noite, Amamos-te e aos teus cantares que não são mudos, porque se espreguiçam sobre nós ternamente. E ouvimos-te, e desejamos-te, porque és tal antítese que deslumbras e ensombras. Amamos mais que essa tua escuridão que derrubas sobre nós qual frasco derramado. Amamos o luar e falta dele, aquela luminosidade suave das estrelas a que já nos apegámos desde que as memórias têm tempo. Espalha-te, oh noite, antes que seja tarde e reine para sempre este sol pousante, aquela bola fogosa que não ilumina nem permite as trevas, e sem as ambiguidades que sois, que somos nós?”

E a noite não respondeu. Mas as cores derreteram-se e o escuro chegou. Finalmente. No meu nicho de solidão agradecida e exausta, fechei os olhos e senti a noite. «A frescura verde do dia escorrera das árvores» e a obscuridade manchara os tons, e eu adorei mais que nunca o tardio entardecer.


[Colinas, 10/11/2008]

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Silently.


Hush, my dear,
For now we are alone.
Let the river wash away
The fading memories of broken hope
That once befell us.

Forget the hazy days that swirl from here
Underneath the starry night,
As the waves gently cradle the sleeping boats,
Silently,
As inevitably as the water embraces the skies,
Mirror of wishes untouched by harsh words.

Let us go now, my love,
Turning our backs to the careless,
Whispering Rhone.



[Poema para a aula de inglês. A última estrofe não meti no poema para entregar.]

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Voo Insano.

«I've got a strong urge to fly
But I've got nowhere to fly to»
Estendo estas minhas asas que me faltam
As que espalho, ambicionando esse voo que me escapa
Contando de dia a dia os inserenos momentos rotineiros
Que me enlaçam em suas tentativas de vontade
E espero pelas quedas onde fujo do comum
Do ordinário que representas.
A quem não me quer escutar
Espirro maldições concretas
E cheias desse som sedento de voz
Dessas nuvens que me clamam deus dos inevitáveis
Através das estações de eterno Outono
Que deslizam pelos parques abandonados.
Mas gostava eu de poder ser Ícaro sem Dédalo
Sem a razoável voz da consciência
Que é peso morto em mim, insensato
E me arrasta para baixo,
Impedindo-me de voar na minha loucura.
É-me urgente deixar de ser eu.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Reconquista.

Alto! Levantai pois estandartes antigos,
Ultrapassadas interjeições de antiga glória.
Erguei aos céus as lanças-relíquias,
Repeti de novo cânticos já antes entoados.
Gritai! Estilhaços desses sonhos de outrora,
Onde bebíeis à mesa dos deuses.

Olhai como agora estais decandentes,
Menos que resquícios ensombrados,
Inferiores a canções lúgubres sem voz.
Vede como caís na desesperança,
Espiralando em ruínas sombrias de degradação.
Das escadas da fama descestes cambaleantes.

'Sperai, que ainda restam as memórias!
Das áureas vitórias sobram ainda recordações.
E o antes não é, jamais, o agora,
Mas nestes pedaços do que foi embrenhai-vos,
Retomai de novo estas armas jogadas em rendição,
Tomai uma outra vez esse fervor abandonado.

Sois capazes de reconquistar as canções perdidas?



[10.10.2008 flul]

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Escada da Solidão.

A escada da solidão subo só.
Só, por entre os odores a velho e a tabaco e a autocarros antigos.
Sob a intermitência da lâmpada isolada.

Só, neste vazio de corpos e degraus caiados de idade,
nesta subida indecisa e incompleta.
Sempre para cima,
sem necessidade de pleonasmos redundantes,
rumo a estas planícies somente minhas.

Só, encaminho meus passos que hesitam e tropeçam
mas nunca recuam.
Que o caminho que deixo para trás,
como se atirado pelo ombro,
resume-se a um nada evanescente.

Só, nesta escada espiralada
que nunca segue senão a direito,
e cuja lâmpada intermitente nunca muda.

Só, sem tornar doridos os membros,
ou a respiração ofegante do cansaço,
enquanto o longe não se aquieta.

E subo só a escada da solidão.

domingo, 14 de setembro de 2008

Inconstância.

"your faith was strong but you needed proof"

Não conto os dias que passam
os que colhi nos tempos da juventude ansiada
e que deito agora para jazerem no crepúsculo,
neste entardecer que agracia os tons.

Se a mim não me enche a fé,
de que me servem os bastiões dourados
impregnados de crenças em que não creio?
Já passou o tempo da confiança.

Construindo muralhas de esperança
cairemos de mais alto
do alto dessa escadaria
do topo dessas muralhas de assassina pedra.

Mais tarde, na noite tardia
aplacamos as vontades com outros desejos,
os de ornar o mundo de que nos repugnamos.
Porque de noite a cor esvai-se

e não vemos a dor
nem o medo repleto de cobardia
ou sequer a ganância que temos como modelo.
Some-se a solidez do cansaço.

Se te disser que o dia é lento, as canções ainda fazem sentido?

terça-feira, 29 de julho de 2008

Surdez.

"But you don't really care for music, do you?"

Nem pela cantada pela noite,
aquela sinfonia de
grilos
brisas exaustas
amores jurados em
tentativas de compreensão.

Não te interessas pela música da ESCURIDÃO
que rompe pela da claridade; notas soltas -
negras!,
derivando do sabor da tranquilidade.

Ou te interessarias tu pela melodia
[que pesa no calor]
incansável do estio,
quando Prosérpina se junta à materna fertilidade
e os campos entoam canções cravadas de bagos?

Não te interessam os sumarentos versos
nem o gentil refrescar palrante da água
que se queda muda no Inverno.
Que te dizem os degelos do despertar
quando a mil vozes juntas sedução sua?

NADA!
Pois que ouves tu em surdez alheia?


sexta-feira, 18 de julho de 2008

Nestes campos que pisamos.

E se nestes campos que pisamos
já tiver calcorreado,
pés descalços em brandas flores,
quem antes de nós fora uno;

de entre fugas esguias à ceifeira.

Como agora somos,
pedaços dos dias despojados,
cansados de vitupérios
que nem nossos se diriam.

Jamais seremos "nós"
a partir deste momento votado à ignorância alheia.

Falta-me a foice, mas a tarefa é minha;

Assim o dito.

sábado, 21 de junho de 2008

Boa noite.

Boa noite, Lua.
Deixa que seja eu hoje a embalar-te.
Posso?
Cantar-te em voz rouca ao ouvido,
como um sussurro entre nós,
conversa séria de mulher para mulher.
Ou podemos quedar-nos em silêncio;
se o silêncio diz tudo, para que existem palavras?
Para o esconder?
Não interessa, não é essa a questão.
Ficam as promessas para trás,
largadas na berma da estrada
e resvalando em Pó,
junto às papoilas de uma estação esquecida.
É leves que viajamos agora;
olho-te de soslaio e vejo esse teu sorriso permanente.
Constante e fugidio, por vezes dir-se-ia o mesmo.
É este o amor entre nós:
eu olho e tu sorris,
como se fosse por olhar que tu sorrias.

Boa noite, Lua.
Salva em ti meus sonhos.

terça-feira, 27 de maio de 2008

O meu nome.

Fria.
Resolutamente gelada, sem o calor
sequer da melodia gasta.
E ainda, por demais, indiferente.
Presa pela minha cadência que
nunca, jamais, é monótona.

E ser vária!
Ser gota e gota e gota
x o quase infinito
e infiltrar-me, penetrando,
por toda a parte, olvidando-me
e dividindo-me! Estou e sou
aqui e aqui (ou no acolá próximo); e nunca,
[mais nunca que antes]
há em mim solidão, que ela esvai-se
como eu me esvaio,
por peles douradas,
e casas caiadas-pintadas
e telhados que vêem toujours o sol,
pelas imundas sarjetas onde
escorrem também os detritos do mundo,
ou pelas folhas que se diriam orvalhadas,
se estes pedaços diamantinos de mim
fossem menos e menores.

Eis-me! neste exaltar de mim,
celebro-me gloriosamente
ao escorrer-me para o meu terminar.
Por agora (me!, me!, me!)
transformo-me e sou una e sou partes
que se descaem e me desfazem
e me arrancam bocados.

Plim plim plim plim
que ecos doces que me abalam
ouvidos que não tenho.
Sou-me, enquanto desço e deslizo e serpenteio
neste êxtase de quase delírio,
"Lucy in the sky with diamonds",
mas sem saber quem é esta Lucy,
e do céu caio eu, desmanchando-me.

O meu nome é chuva.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Espécie de discussão filosófica.

(Conversa numa wiki criada pela Ana para uma aula de tic II, e transferida para aqui por ser demasiado preciosa para ser perdida.)

Muahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!

Ou spam.

Ou um exemplo de vandalismo. Nada como mostrar o que não se deve fazer…

… quando se pretende fazer uma página medíocre. Se se quiser uma perfeita, esta serve.

No fundo, tudo pode ser perfeito. Basta escolher o que se deseja que seja perfeito. Assim sendo, esta página é mediocramente perfeita.

No entanto, a perfeição é única e somente uma pessoa que dispensa apresentações, pois toda a gente sabe que não existe, mas que pensa, portanto, segundo Descartes, existe.

Pensa, mas deixa levar-se pelos sentimentos. Não há nada de racional no egocentrismo. E não esqueçamos quem era Descartes: um racionalista convicto.

Ah pois, mas como egocêntrica a perfeição usa o que sabe a seu favor, acreditando só no que lhe convém.

E apercebe-se, então, de que não é perfeita, por mais que queira acreditar no contrário, até acordar do pesadelo, quando vê, com alívio, que afinal ainda é a perfeição e perfeita (muahah! redundância! ou pleonasmo).

Redundâncias… Pleonasmos… Só coisa que a perfeição não necessitaria se realmente fosse perfeita. Afinal parece que, de forma até paradoxal, o sonho é o único universo em que ela é realmente perfeita.

É perfeita em todos os universos, ou não seria sequer perfeita. Sendo-o, todas as maneiras em que se expressa também o são, já que não passam de formas de expressão sonhadoras.

Shiu, sua vândala! x) Perfeição que é perfeita é perfeita, se eu tenho uma imagem de perfeição ela tem de existir, a perfeição sou eu. Eu penso, logo, existo. Logo, a perfeição existe!

É verdade que pensas, logo, existes. No entanto, quem existe és tu e não a imagem que crias de ti própria. É por isso que não és a perfeição. Porque a tua imagem é perfeita, mas tu não.

Mas a imagem que tenho de mim é imperfeita. Ou não seria eu. Apesar disso, não deixo de ser perfeita. Já não faço a mínima ideia do que ando para aqui a dizer.

Nem eu, embora continue convencida de que não és perfeita.

No entanto, há algo que nenhuma de nós pode negar: esta página é perfeita. Um autêntico hino ao vandalismo de wikis.

Pensava que achavas que a perfeição não existia. Mas sim, é perfeita. Viva o vandalismo de wikis!

Mas eu acredito na perfeição, apenas não a vejo em ti.

Enfim, parece-me ser altura de acabar com esta conversa de vândalas pseudo-filosóficas. (É com hífen? Se não for tens aí um botão que já conheces muito bem.)

Conhecerei? Ou será o meu espírito? Oops, é para parar.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Auto-Retrato Desafinado

Era fácil perceber que não estava concentrada. Via como caminhava devagar, olhando vagamente para o chão do passeio e para o céu nublado, esperando – quem sabe o que esperava? Aparentava ser mais pequena do que era, a cabeça várias vezes enterrada no cachecol, como se procurasse ocultar-se e desaparecer. Tornar-se invisível, decerto, era o seu maior desejo. Dos cabelos pouco se via, a maior parte cobertos pelo gorro que nada tinha a ver com o resto da sua indumentária. Puxava-o constantemente, como se temesse que ele fosse cair ou voar com o vento forte. As mãos – quão deliciosamente pequenas! – quando não se encontravam a ajeitar o gorro, escondiam-se no calor reconfortante dos bolsos do casaco preto comprido, demasiado largo para si. Uma pequena mochila pesava-lhe as costas, aparentemente mais carregada do que seria suposto.

Um pé acertou com um splash! numa pequena poça de água, resquícios de uma chuva que parecia querer voltar. A bainha das calças já estava completamente encharcada – talvez estivesse a fazer pontaria aos mini-lagos no seu caminho. Os seus lábios entreabriam-se; a melodia (se se poderia chamar melodia a tal desafino) contrastava com o silêncio que os outros transeuntes pareciam ter imposto a si próprios.

Um redemoinho de folhas cercou-a, em tons amarelos de Outono decadente. Com um gesto exasperado, repentino, arrancou o gorro da cabeça, guardando-o na já atafulhada mochila. Os cabelos despenteados, de meios caracóis escuros (castanhos!) ondularam, demasiado pesados para se agitarem com o vento. Parada no semáforo, olhou para as árvores com um sorriso. Mas adivinhar-lhe a mente era – tarefa vã – impossível. Ajustou os óculos na ponta do nariz, desatentamente, e o sorriso desmanchou-se, devagar.

Atravessou a passadeira num passo rápido, apressado, reflectindo na sua caminhada os sentimentos efervescentes que a agitavam interiormente.

E, sendo quem era, foi nada mais que a voz desajustada do silêncio corrupto citadino, desafinada.


[Já antigo.]

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Pintura.

Estendeu as mãos, como se quisesse apanhar, entre elas, um rasto de luz que entrava pela janela, naquele final de tarde cansada e evanescente. Sorriu uma mistura de sorriso e esgar, porque a face estava retorcida pela memória de uma solidão presente. A música que tocava mal lhe aflorava os ouvidos, enquanto mirava aquela réstia de brilho que penetrava pelas vidraças, ou talvez eu estivesse apenas a imaginar essa melodia que julgava ouvir. Eu apenas a mirava, observando como ela, tal como o soalho e a cadeira, era banhada por aquela resplandecência poente, uma cortina de luz que se espraiava por sobre ela como manto, ou como, às vezes, a noite cobre o mundo. Suave.

Quedei-me, imóvel, sem conseguir divisar mais que alguma gentileza nela. Porque percebi que ela se sentia só, apesar da minha companhia. E que oca companhia, pensei, uma gargalhada seca ecoando-me pela mente para não a perturbar. Devia estar a escrever, recriminei-me, mas não desviei os olhos da imagem. Fosse eu pintor e faria, naquele momento, um retrato com doces cores, evocando a beleza simples do momento, com seus tons pastéis e coroados de quentes e o sorriso falhado que ecoava pela sala. Talvez, acaso fosse eu músico, conseguisse compor uma música capaz de reverberar pelo mundo, tão bela que relataria, sem palavras, a cena que eu, honradamente, podia ver.

Quase lhe pedi para não se mexer, para se manter assim, segurando aquele instante para a eternidade ou, pelo menos, por mais alguns instantes, para que eu os pudesse absorver, filtrando-os em mim como caixinha guardada no íntimo, retrato silencioso do pôr-do-sol. Pediria também à estrela que não se movesse, que interrompesse a sua queda cadenciada, que não buscasse, como sempre e sempre e rotineiramente, o horizonte abaixo de si. Mas, mesmo ainda antes que pudesse ajoelhar-me, pronto para a minha súplica que rogaria imobilidade ao Tempo, ela desmanchou o seu quase-sorriso, e as suas mãos de criança deixaram de tentar afagar a luz. Quase caí, como se o soalho polido tivesse ruído com um cair de terras, como se a sala à minha volta girasse, abruptamente, ou o sol, ao contrário do que eu desejava, se tivesse apressado a descer no céu, vertiginosamente. Mas não. A sala continuava como antes, o sol ainda empreendia a sua jornada para o horizonte, o soalho ainda sustinha os meus pés e a cadeira onde estava sentado.

Uma pequena lágrima deslizava-lhe pela face, quando ergueu para mim, blasfemo indigno, os olhos marejados. Fiquei quedo, estátua feita homem, e a minha atenção estava centrada na pérola que serpenteava pelo seu rosto, marcando-lhe um trilho, uma mágoa, um sulco molhado de sal.

E foi tal imagem que me ficou guardada da alma, cume da perfeição que eu almejava. Pintura de lágrimas sobre carne.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Manhã.

Dedos da manhã amam-me
e eu odeio-os.

I

Rastejam, abraçando o gelo em pó
que restou da noite cansada.
Já perdi as metáforas de antigamente;
onde as deixaste nos teus retratos a sépia?
Sangria, sangue, cor-de-vinho,
um alegre festejo a Baco.
Arquejos escapam-me,
garfadas de requintado banquete
tragadas de meu peito ante as luzes,
lâmpadas de génios que pereceram de desejos.

(07.04.08)


II

A sua volúptia mórbida é antítese
da minha repugnância de palavras alheias
(seja isto o que for, se não mais que fonemas).
E os dedos são mãos que resvalam
contra o embaciado dos vidros,
e marcam efémeras formas transparentes
que para mim não têm significado.
O mundo é baço através do falso cristal
temporariamente opaco.
Vou deixar-me de perguntas retóricas.

(08.04.08)

III

Se me dartejarem o casaco e me sacudirem o cabelo
não arrastam do chão a minha solidez.
Nem quando encontro abrigo sob canos,
com foscas lâmpadas, cacifos chicoteados
e extintores - carros de bombeiros em miniatura.
Masmorras com portas de luz intermitente
e instrumentos de tortura inutilizados,
ou talvez seja uma hipérbole das horas.
É cedo.

(09.04.08)

IV

Espelhos-janelas de bibliotecas,
madeira e azul e metal e papel,
arrastam-vos para mim com anzóis de vento
e ainda vos repudio.
Pilhas de jornais que evocam Echos
e Narciso ainda espera, homem-flor
(há quem diga que tal não é possível,
mas que sabem os que mesclam o horizontal e o vertical?)
Oh, injustiça, [adversativa] que faço eu aos
excedentes de tempo que me faltam?

(10.04.08)

V

São repetições e infinitos em espelho
que se prendem em círculos virtuosos.
Todos os dias se renovam, indefinidamente,
promíscuos omnipresentes,
enquanto eu almejo completar-me,
e as horas pesam-me de experiência
sem que eu me possa diluir como vós.
Ignoro os rastejos, vossos vestígios moribundos,
porque todos os meus gritos são de alegria.

Mes cris ne sont que de joie.

(11.04.08)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Silêncio.




segunda-feira, 7 de abril de 2008

[puemɐ dɨ funɛtikɐ]
















[sõʃ! kɨ kɐɾɐktɛɾɨʃ
sɨ uz~ɐw pɐɾɐ
ʀɨpɾɨz~etaɾ ɐʃuvɐ
kɨ kaj, dɨɨzɨʃpɨɾam~etɨ,
komu sɨ ~ɐsiɔzɐ puɾ sɨɾp~etiaɾ
ɾɨɡɐti~ɐðu luɡaɾɨʃ aw fuʒidiw sɔɬ?

funemɐʃ! sɔmɨsɨ nu aɾ
ɐsojtaðu pɨlu v~etu - ɐʀɨbɐtɐðoɾ!
fɐsɐmuʃ biʃɐʃ dɐki aw ~ifinitu
kɐðɐjɐʃ dɨ dɨm~ɐðɐʃ puɾ ɡɾaajʃ

suʃt~ɐj ɐ diʒlɛksiɐ,
ow pɾ~eðɨʃtɨ i ~elɐjɐʃtɨ
~ɐj diɐm~ɐtinɐʃ tɐjɐʃ
dɨ vɨluðu ɐʀɨpɐɲadu nɐʒ bɔɾdɐʃ
kõ ʀaʒɡuʃ dɨ sɨt~i.

ɐʃ peɡɐʃ ɐ~idɐ buʃk~ɐw u owɾu.]



(Isto foi complicado. Já que não havia os caracteres adequados, tive de aldrabar. Portanto, todos os símbolos que tiverem um til do lado esquerdo deveriam tê-lo em cima. Além de que eu devo ter-me enganado nalguma parte.)

sábado, 5 de abril de 2008

Dos sonhos.

se contasse, como conto, as estrelas
e ousasse saber quanto sei
diria que os segundos
nunca passam lentamente
e as horas vertem sabores agridoce
que se enrolam na língua e se dissolvem
como crepes-peixes,
ornados a negro chamuscado e risos

nunca dirias mais que o necessário
e eu julgo saber as canções
mas quando corrijo os propósitos
sou, afinal, eu, que não sei o que digo

dois e um são três e são perfeitos
e envolvem gestos -
mímicas cantadas!

não há, quem sabe nunca,
solidão irrequieta que desperta
ondulações em água estagnada
que tomam a forma
de gotas de minha chuva

dorme bem, sim,
que os sonhos dependem
da realidade.

verde, não teimes


[Ao meu coxinho.]

sábado, 29 de março de 2008

Quebra.

É o vento mar(e)chando com indolência,
deambulando por entre os bosques,
embalado pela sonolência do estio,
não passando, então, de brisa.
Zéfiro sorridente, traspassando, com seu sopro,
as cúpulas sagradas (de) folhudas árvores.

É o calor que se distende, retraindo-se
sob a sombra, que ameniza as cores,
roçando de fresco as peles descobertas,
beijando-as com suspiros vagos.
Abre-se o sol pelas janelas airosas
e espraia-se o dia por mim.

Ah!, e minha alma canta ao tempo,
pintando, ao de leve, as delícias tiquetantes
que estendem lânguidos braços-tentáculos
por estonteantes gemidos de torturado prazer,
E sim! Sou tudo, e meus ouvidos clamam
por sons incoerentes e inarmoniosos;

minhas mãos choram pelo áspero e pelo rugoso;
meus olhos pelo arder e conspurcar de visões,
que são quadros pintados a veludo, palpados
por dedos de volúptia contagiosa;
minha boca anseia pelo agridoce
que tantas vezes lancinou meu peito.

São pragas ou preces de crença.
Não me subestimes, rogo-te!
Sucumbo à religião ensossa,
que traga rebentos de sabor vertido.
Seriam curtas as manhãs,
se não tivessem laivos de sabedoria.

Fende a luz os céus barrados a negro.
Antecede o suspiro pesado, doloroso,
que não entendem os mártires,
inebriados com promessas condicentes.
Rasgo-te! Sou o brusco relâmpago.

Já bebeste da taça?
Quebra-a.


[Iniciado a 20.03.2008.]

sexta-feira, 21 de março de 2008

Sonhos de Alfazema.

Dir-se-iam sonhos de alfazema.
Mas aquiescem e perdem os sentidos -
são cegos, agora.
Mudos, surdos, paralíticos cadáveres
compadecidos pelos vivos.

São o que restou dos destroços
de tempestades irreais,
as ruínas à deriva em mares iludidos.

Caíram no degredo da putrefacção,
olvidados pelos escombros,
caixões pesados - barcas além-rio,
para atravessar para os mundos de Hades.

Perséfone embala-os meio ano,
prendendo-os em bagos sumarentos
trazidos de aleg(o)rias de vivos.

São fragmentos, estilhaços de porcelana,
a quem lhes foi roubado o espectro.
E vagueiam, em eternos oceanos do submundo,
em busca das violáceas recordações de alfazema que,
outrora, foram.


[Para o Colinas.]

domingo, 16 de março de 2008

Cansaço.

cansaço.
talvez o de Campos
-íssimo
ou daquele que absorve
os quentes do pôr-do-sol
vastos sobre a cidade
quando as luzes se acendem.
ou, quiçá, o cansaço
dos dias de caminhadas
labirínticas
que nunca conduzem
senão a casa.
quem sabe se será
o cansaço da juventude
insatisfeita
mas que se contenta
com viver.
ou o que escorrega
pela rotina
contorcendo-se
e espremendo-se em sonolência.
mais vale aguardar o inevitável
Fado de Reis
porque viver cansa.
e, se a Fortuna nos sorrir
o cansaço pela felicidade
que recompensa a fadiga física
e o cansaço de alcançar
- que saudoso lamento! -
o apocalipse renovado da luz-fénix
são padrões decorados pelos deuses
antes que as Parcas cortem,
com tesoura rangente,
o fio.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Gosto.

Gosto de cantar. Gosto de sorrir. Gosto do Inverno. Gosto de dias de chuva. Gosto de jogar às cartas. Gosto de começar uma história. Gosto de verde lima. Gosto de mensagens de pessoas importantes. Gosto de feriados. Gosto de usar as máquinas fotocopiadoras da biblioteca. Gosto de sorrisos de estranhos. Gosto de sorrisos de amigos. Gosto de estar inspirada. Gosto de bons professores. Gosto de orgias no msn. Gosto de franjas. Gosto de peluches. Gosto de Final Fantasy. Gosto de livros. Gosto de canetas. Gosto de paus de incenso. Gosto do Igor. Gosto de Cluedo. Gosto de folhas em branco. Gosto de folhas escritas. Gosto de cartas. Gostos de rabiscos. Gosto de músicas. Gosto de cadernos por escrever. Gosto de desenhos abstractos. Gosto de borboletas. Gosto de giz. Gosto quadros pretos. Gosto de aulas divertidas. Gosto de caril. Gosto de fotocópias quentes. Gosto de pães acabados de fazer. Gosto de iogurtes com pedaços de morango. Gosto de fazer bolos de chocolate. Gosto dos meus crepes aldrabados. Gosto de ti. Gosto de cachecóis. Gosto de gorros. Gosto de ovelhas. Gosto de brincos. Gosto de powerpoints. Gosto de abraços (ronronantes). Gosto de coincidências. Gosto de água fresca. Gosto de perfumes individuais. Gosto de filmes em família. Gosto de risos. Gosto de sonhos bons. Gosto de saltar. Gosto de implicar. Gosto de fazer nada. Gosto de acabar as aulas. Gosto de dormir até tarde. Gosto do nascer do sol. Gosto de não gostar de álcool, chá e café. Gosto de distracções. Gosto de caligrafias bonitas. Gosto de escrever nas costas de panfletos. Gosto do lado positivo das coisas. Gosto de gritos de alegria. Gosto de caracóis. Gosto de cogumelos. Gosto de cores. Gosto de aprender coisas interessantes. Gosto de poemas. Gosto de recursos estilísticos. Gosto de quem adivinha o que não digo. Gosto de entusiasmo. Gosto de felicidade. Gosto de café com leite. Gosto de torradas. Gosto de chocolates. Gosto de memórias doces. Gosto de guarda-chuvas. Gosto de me deitar na relva. Gosto da sombra num dia de sol. Gosto preto. Gosto de branco. Gosto de fazer cócegas. Gosto de companhia. Gosto de solidão. Gosto de trovoadas. Gosto de adormecer. Gosto de viagens com amigos. Gosto de desenhar. Gosto de fazer fimo. Gosto de singstarar com a família. Gosto de tardes em casa. Gosto de massas recheadas com cogumelos com molho de natas com cogumelos com quadradinhos de fiambre e orégãos. Gosto da Fnac. Gosto de gargalhadas maléficas. Gosto dos sustos que trazem alegrias. Gosto de misturas de línguas. Gosto de bons professores. Gosto das panquecas com syrup do meu pai. Gosto de chegar a casa cansada. Gosto de deitar a língua de fora a crianças desconhecidas. Gosto de debates que não levam a lado algum. Gosto de ter razão. Gosto de boas surpresas. Gosto de mantas. Gosto de ser infantil. Gosto de saltitar nos quadradinhos coloridos do Colombo. Gosto de rebuçados de limão.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Insaciável.

boa vontade reside nos minutos contados
insolentes, que não te libertam do cansaço
somente te entretêm, pesadamente
contra a tua fome de liberdade
onde anseias bolos, com
inutilidade outra que não a de satisfazer apetites
teus. E não só.
ostentas a tua glória, incompleta.

e agora? combinados são
incumpridos, porque não há quem derrame
os tempos que correm, vagarosamente.
não se preocupam eles, fúteis!,
com nossos acordos mortais, aninhados
na distância.
vergonha, que não somos, jamais,
prometedores conscientes.
mas as palavras exigem a sua própria justiça,
pelo que nos resignamos a cumpri-las.




[Teimoso. Um não te chega?]

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Acrósticos de Dor.

imortal vontade de anti-persistência
não sabes que teimas demasiado?
dói! pára, que me magoas
inimiga cruel, aliada traiçoeira
feres-me com tuas adagas de marfim, mas
estão manchadas a vermelho
recordas sangue.
então é assim que condenas os inocentes
nunca concedendo - desconheces a palavra - misericórdia.
tua vergonha banha as horas
eternamente.



(...)



ergues-te - déjà vu.
ganhas, perdes, no teu centro incontestado
ondulante e infame crença nas flores - e Echos
controlas (-te), e jamais houve tão bela demonstração de amor-próprio
escondes-te, sem te ocultares, na 'splendorosa luz do dia
nada há que não anseies, não é assim?
tomas em ti a tua singularidade
rasgas - numa miríade de pedaços -
infracções alheias
sumindo-te, depois, para os recônditos superficiais
morosamente afastados, por mim (ou por ti - que importa?)
onde não será, alguma vez, deserto corrido de paz.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Ritual Monotonia.

Sabes que hoje é igual.
Que hoje, o teu espreguiçar e enxotar o sono
é clone do ontem e do que foi antes porque tudo
é sempre o mesmo. Atiras-te de cabeça para os desfiladeiros
que, afinal, são estradas pejadas de viaturas; de cansados instrumentos
de condução ao inferno (monótono).
Sabes que hoje é igual.
Que não há simbólicas cores que quebrem o rotineiro cinzento
que se alastra em manchas agregadas por tons - mais escuros,
mais claros. A indecência de vivências conjuntas repetidas alastra
e há pouco a acrescentar ao que já é conhecido.
Os gritos que ouves são os mesmos de agora e de sempre,
ecos imaginados até à infinidade - serão os homens eternamente os mesmos?
Sabes que hoje é igual.
Mas rebelas-te contra a rotina, bates o pé, e afirmas, peremptoriamente:
Hoje não me apetece.


Para o Colinas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Gritas!

É na expressão cansada de todos os rostos que te apercebes da tua felicidade. É no cair lento da tarde, que demora, e nos silêncios, que compreendes que, para ti, o dia passa depressa e nunca deixas de cantar.

«You shouldn’t have to jump for joy.»

É na rotina dos outros que desfazes a tua crença na monotonia dos teus dias, e compreendes que a saudade do passado é importante, mas que há coisas que te são dispensáveis.

«In violent times, you shouldn’t have to sell your soul.»

Gritas!, e o dia amanhece no horizonte, penetrando nas fendas e raiando de ofuscante luz os nichos de indiferença. Nunca careces de um abraço, ou de um sorriso, ou de um olhar atónito que te faz sorrir, ou soltar estridentes gargalhadas que ecoam por salas quase vazias e mãos discretas.

«If I could change your mind, I’d really love to break your heart.»

Não é preciso ostentares o desprezo que não sentes. Nem tardas a perceber que se eclipsam, parcialmente, as estrelas por detrás das nuvens – manchas no céu -, mas que nenhuma te faz falta por ser irrelevante ver para além de ti. Os mitos derretem-se por entre as percepções de que o real basta para as lições de moral que corrompem a ética que segues piamente.

Frases confusas que se entranham na memória e se tornam irónicas constatações da des-realidade.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Distraído Doce.

correm os dedos pelas horas
com vislumbres de verde cambiante

aqui
ali

e admiro como convertes
- talvez seja incompreendida, a palavra -
gulodice
em ouvires de alimentar da chuva.

espalha-se a meninice
(em que teimas - como te atreves!)
pelos deslizares serpenteantes de
involuntária preguicite

que decorre da
gentileza.

e o olhar abstrai-se,
fitando redemoinhantes pontos
de nada dançante.

quando o mundo arde e o coração grita.

o castanho suaviza-se em súplicas
mas não as fazemos.
será orgulho?
ou vã teimosia que incorre em
pesares de palavras e mandar
- dormir, está na hora.

falta a compreensão das horas de silêncio.

[Obrigada.]

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O Vaguear da Lua pelo Despertar de Uma Cidade ou Viagem no 64

O chão-que-não-era-chão tremia sob seus pés, indiferente aos bocejos resmungados dos passageiros que lançavam olhares enublados pelo sono através das janelas embaciadas de respirações conjuntas. No exterior, o ar gelava os dedos, enquanto ele tentava discernir, serenamente, por entre a pré-madrugada. As notas que se elevavam sobre a cidade iludiam a escuridão adormecida, e nada mais havia no céu nocturno-matinal que a lanterna-farol ignorada, com os olhares postos no raiar da alva celestial em ardentes chamas de arco-íris.
E, nesse despertar de sensações ainda imersas no entorpecer dos sentidos pouco claros, embriagados pelo pudor de obrigações rotineiras, acreditava ser o único a olhar a brilhante e redonda lua. Com a clara nitidez da arrogância bem definida pela imaginação egocêntrica, mirava a invulnerável mas cansada donzela cercada pelos seus aposentos de ébano estrelado. E se fosse o único? E se todos os outros habitantes da ruidosa cidade tivessem os olhos pregados ao chão numa angústia de não querer olhar para cima, por ser demasiado alto? Ou se esperassem apenas o dealbar do dia, e fixassem o oriente com suas orbes semi-inconscientes, alçando a vista onde apenas esperava l’avenir? Talvez fosse, então, aquele a quem a lua retribuía o olhar ofuscante, pleno da sua angelicalidade demoníaca, pois a sua auréola hipnotizava o seu único espectador. Quando desaparecia por segundos, ocultada por detrás das construções de betão que irrompiam como cinzentas flores silvestres, não tardava a reaparecer, para deleitoso êxtase de seu mirone.
E os centros comerciais acordavam com a cidade, e a cidade eram os centros comerciais, com suas gigantescas áreas de consumo de indiferenças em troca de satisfações momentâneas. Na sua frente corriam os apressados e os atrasados e os que apenas o julgavam estar, bem como palmilhavam, a passo lento, os que se delongavam de propósito para tardar a chegar a seus destinos. Sim, faltava pouco para o dia se levantar de vez, apesar de já tarde, comparado com a fervilhante metrópole.
De facto, a prateada lua afastava-se cada vez mais, descendo no céu cada mais claro. A sua superfície dir-se-ia encanecida, e desvanecia-se, empalidecendo conforme os segundos a traspassavam qual lanças que não vertiam sangue. Ou talvez fosse ela que não pudesse sangrar.
Não era infelicidade o que o seu admirador sentia, devido à sua partida. Enquanto ela ali estivesse, não lhe era inevitável a separação. Estremecia – os solavancos interrompiam as conversas que escutava desatentamente, sem acreditar na veracidade das palavras ou nas músicas de quem não era preocupação a interrupção do silêncio colectivo.
A maré de passageiros sobe e desce, sem qualquer aparente ligação à lua nem destinos entrecruzados pela falta de coerência entre todos. E acontece ser a afluência de hipocondríacos que antecede o chegar, pelo que os atrasos são desculpáveis apenas por si. É chamado, esperado desesperadamente que esteja pronto.
Assim, numa despedida apressada da já semi-desaparecida lua, corre no frio da manhã, sob o céu, agora já de um azul resplandescente, interrompendo o suave roçagar da neblina que cobre as ervas daninhas dos trilhos que surgem na urbe.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Ode à Teoria da Comunicação.

são harmoniosos os dias
em que a teoria não preenche as horas
de monotonia
e são práticos os segundos
de factos relevantes
significados e significantes
sem quereres-dizer
ou signos que desobedecem a convenções
plenas da teimosia infantil
inimaginada nas frias salas
com livros desbocados de introdução
ao estudo da arte da simplicidade.

as meias-horas são gastas em reiterações
quando cabeças sem corpo
são apresentadas em bandejas
destruindo o tremer nervoso
ou o re-voltar do relógio
onde o tempo não passa.
e as falhas são quebras de raciocínios
de emissores emotivos
e pseudo-gritos que acordam risos na cansada rotina.


[Às aulas de Teoria da Comunicação.]

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Pesadelos e Metáforas.

Image Hosted by ImageShack.us


buscas a mercê definitiva do tempo
cantando a ti nos solarengos dias
e nas madrugadas asfixiantes
pejadas do sono de noites
cujos sonhos intranquilizam.

sonhos maus.

prenúncios de derrotas contra a
velhice ou
separações de inebriante dor
e choras nos sonhos
porque as lágrimas reais
secaram

para sempre (?)

suspiras – oh, quão doce!
- e a geada alastra pelos teus dedos
enquanto te esfumas em nevoeiro
ouvindo os gemidos tardios do despertar.
na forma etérea
(teus pés já não tocam o chão húmido,
enlameado)
miras o decapitado Orpheu e a sua lira estilhaçada
- metáforas de desespero.

mas tu não és sua Eurydice,
ou sequer o tenebroso Hades.