sábado, 12 de dezembro de 2009

Último futuro.

d'imprevisto constrito recuou, temeroso,
perdido de infâmia vil,
cruel sensação de tempo incrédulo,
oxalá os deuses fossem imortais.
com eles se vai a glória, o árduo esforço,
os louros que os coroaram de bravos cavaleiros do futuro.
todos os futuros se gastam,
embalados na inconfundível corrente d'infinitos
sentidos com cálidas palmas de insossa desonra.
por que não nos fomos com eles,
avatares dos sonhos terrenos,
agora são-nos abstrusas suas vontades,
emaranhadas de insanidades coruscantes.
que de ofuscados nos ficamos, roubou-nos a vida a voz,
o tempo a fama, a memória a sombra;
resta-nos esperar o último futuro,
presente que nos espera, iminente.

[Para o Colinas.]

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Soneto IV

Tão lenta que é a esp'rança a fenecer.
Fica e desgasta, dor que permanece,
Ansejo podre d'alma, entristece,
É penumbra de eterno entardecer.

Vai, esp'rança, não me deixas viver
Senão com esta angústia que entorpece,
Esgotamento que me desfalece.
Vai, esp'rança, não tardes a morrer.

Vivo então contigo em rompido pranto,
Rasgado peito em dor e sofrimento.
Vai. Falece de vez, esp'rança minha,

Salva meu coração desse entretanto
Em que não morres, meu padecimento.
Vai, esp'rança, melhor fico sozinha.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sabes o futuro.

sabes o futuro
presença omnisciente que conhece, mais que todos,
o ritmo do tempo.
pelo que sabes o futuro.

fecha as pétreas pálpebras, translúcidas de puras veias,
tão azuis de teu nobre sangue.
e, contudo, já não mais há aristocracia,
desfeita pelos enlaces amargos, sustidos por suspiros moribundos,
dor comum de princesas mortas de cravejados cansaços.

com tuas mãos traçadas a vidas,
sabes o futuro.
basta-te olhar em frente e imaginar os dulcíssimos sabores
que te sorriem, de olhos diversos e imprevistos que não v~es,
que só vês o futuro teu, o dos demais é incógnita de sol em noite o'scura.

asinha!, que se é tempo não espera, nunca foi ele de aguardar.
lê agora o futuro, enquando imberbe e tecido de sonhos,
visto vítreo e mal-amado.
porque não queres saber o futuro.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Há melancolia.

Há melancolia no que tocas,
Nostalgia no que tocaste.
Não há silêncio, lamentas-te,
Mas os sons que há são teus,
Pranto inaudível sem lágrimas,
Esses pedaços doridos de alma
Que te livram de te afogares,
Desdita ironia.

Pergunto-me: que julgas pior?
A noite de sombras sem luz
Ou a manhã de trevas sem esperança?
Ambas, talvez, fragmentos corrompidos do dia?
Pequeno novelo de desespero,
Solitário nicho de sabe-Deus.
[Medo?]

Se soubesses mais que queres,
Mais profundas seriam tuas pontadas,
Mais profusas as temerosas aguilhoadas.
Esclarece então, que sem sol não há noite,
E sem ti não há mundo.
Quiçá existes só tu,
e o resto é sonho.

[11.11.09]

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

És música.

[A quatro pessoas,]

és música.
era assim que te definiria, se me pedissem definição.
porque não te sei dizer quem és, se és mais que uma,
mas de todas as vezes é como se de uma só se tratasse.
mesmo que uma fosses, porventura te chamaria música.
assim, suave, com cada nota solta e reverberante,
porque sei perfeitamente como te definir. ou talvez não.
mas serias música, ainda assim. não tocarias sempre,
porque sempre é palavra insegura, que depressa o balanço perde;
serias antes inconstante como sol em dia nublado, que as músicas,
amando-as então pelo que valem, não se tocam ininterruptamente,
alternam com outras de forma vaga.
és música de que não me farto, não esqueço nem rejeito,
sei-te de cor e, todavia, sempre (ei-la!) te aprendo de novo,
de outra forma subtil e tão diferente. sinto-te as nuances que tomas,
vez a vez, de cada vez que te oiço. e vejo!, que por seres música és em tudo:
nos dias de manhãs carregadas ou no nascer claro do sol,
na torrente chuvosa dos (adorados!) dias invernais, que meus!,
nas lentas e plácidas tardes do caloroso estio.
és música, e de quando em quando és salvação, quiçá mais que pensas,
pois que são precisas âncoras para combater —
não, não interessa.
és música de calafrio, de gargalhada, de abraço reconfortante.
peço-te então, por favor; com jeitinho e em voz sussurrada,
solene de ser quem sou, de seres quem és,
não deixes de ser música, aquela canção à alma,
ainda que possas deixar de o ser para mim.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ténue vagem de espr'ança

Ténue vagem de espr'ança,
por que para tão longe te foste?
Partiste sem um adeus,
sem um aceno que fosse.
Que deixaste para trás?

A lua ebânea que tremeluz,
como se também ela quisesse partir.
Sim!, que todos os astros te amam,
são poemas embebidos e escritos
com a tinta da tua felicidade!

Que vazio, oh, dor que resta,
encriptados pelo inglório esforço
(ou talvez natureza) de perdão,
que corrompe o mundo de dissimulado,
a dois
e dois
e dois,
espírito velho e cansado.

Delicia-te no masoquismo velado
que se atravessa por este vento,
nestas (des)graças que te quebram,
e o balanço é precário,
porventura como sempre.

Diz-me que não queres mais,
que o que deixaste é meu,
que é tudo da verdade mais pura!
Não, oh não, não me tentes convencer,
não me sustenhas as lágrimas
que se me correm, céleres em mágoas,
vazando-me o corpo de tormentos.

Vive-me o credo na boca e
quero-o fora daqui, depressa!
Ide nesse vosso embalo transtornado,
em sinuoso embuste de falsa trapaça.

Clamo como o poeta em tempos clamou,
chamando a si seres das trevas e fantasmas,
porque a noite é deles e eu partilho-a,
incessante e metaforicamente,
pois se noite são as horas raiadas de sol!

Talvez seja tudo disparate,
asneira embrulhada em bela seda,
engano que tomei por tão certo.
Mas digo-me que não,
que tudo é correcto e meu
ainda que errado e alheio,
e entranço-me de fé neste desejo,
carência profunda de um je-ne-sais-quoi de perfeição.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Pobre crença destroçada

Pobre crença destroçada,
Farrapo vogando perdido,
Foi Fado teu (incompreendido)
O de crença falsa, maculada.

Nada te prende ao presente,
Sopras tuas palavras gastas
Para longe, tão longe, as afastas,
Lança-las agora à célere corrente.

Corre o rio embrulhado em si,
Sempre no caminho mesmo e, todavia,
Não corre já o rio que usuía,
O rio ao qual, um dia, deitaste parte de ti.

És pois agora estilhaço,
Caco requebrado e inútil,
Vida esquecida, perdida e fútil.
Se ao menos ao rio não deitaras pedaço.

[20/09/09]

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Amargura.

em que consiste a tua amargura
que escorre insípida pelas ruas da noite?
mísera solitária em que se perdem vagabundos sonhos,
errando na soberba magnífica
onde jazem os abrigos, portos d'alma.

espírito maculado, finda-te,
não te quedes mais em arguta terra de ninguém,
terra mal-amada que se abre em espanto,
caída finalmente no sopro dos ciprestes,
que te lembram sempre o mesmo,
que o viveste uma vez (se uma te chegou).

não sejas, enfim, mais que suspiros vagos,
derradeiros sopros no tempo poente,
pois se não te restam mais frutos da companhia,
não tornes putrefactos d'aquem os medos,
que para terror já te basta o teu,
bastião da tua quase humanidade.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Clique.

Quando perdeste os limites que detinhas
Que te embalavam no regaço folgado
De pregas caídas e cercado de flores,
Flores gastas e murchas, retorcidas e secas,

Então te tornaste nesse corpo sem fim,
Carcaça de vida que era suprema (por ser vida),
Resposta entremeada de satisfações e
Permeada de desgostos iludidos.

As cidades não te dizem nada,
Não mais que as janelas abertas
Que conduzem a olhos descontentes,
Filtros consumistas do alheio.

Clique! Estala o chicote que te afaga,
Levemente, a pele, e deixa na palidez
Marcas suaves de cicatrizes futuras,
Nunca apagadas por reminiscências.

Saboreias essa dor momentaneamente,
Já a provaste antes mas nunca é a mesma.
Desta vez traz consigo um travo a culpa,
Cortante, que te permanece na língua.

Oh, sim, tu bem soubeste que era incorrecto.
E sempre soubeste que adviria do erro o castigo,
A punição pela incoerência dos deuses,
No mundo em que vives sem credo nem rei.

Clique. Clique. Encontras-te quando
Estala o chicote que te acaricia, suavemente,
E despojas-te da vida efemeramente,
Apenas para conheceres a tranquilidade da noite.

[Para o Colinas.]

sábado, 4 de julho de 2009

Deuses sem pátria

já vimos morrer mais um dia.
já sentimos que o sol se põe connosco
e já demos as mãos em todos os poentes.
já lemos os livros de palavras soltas
que nunca nos disseram aquilo que queríamos.
já sentimos a dor intragável da exclusão
e contrabandeámos a negligência .
já fomos mais, oh, tão mais,
que todas os sentidos, cinco, seis,
e murchámos qual rosas moribundas
em seca que almeja carcomer o mundo.
já conquistámos devastámos as cores
que não acreditámos belas,
porque nada há mais belo que nós.

mas já tudo fizemos sem propósito outro,
maior ou menor, é certo,
que o prestígio que nunca alcançámos,
porque os deuses não são entre os homens,
e nós somos deuses entre deuses sem pátria.

[Coisita para o Colinas.]

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Vira na brisa da noite.

Vira na brisa da noite quente enquanto finges
perder todas as amarras aos sonhos.
Sopra o mundo nessas tuas mãos de princesa quebrada
como se soprasses os dentes-de-leão que evocas.
Surpreende as distâncias como se as conhecesses
e alarga os espaços de trevas que te desenrolam.
Conta os universos em que já viveste e provoca
os maremotos no teu coração de pedra polida.
Sente como se amanhã fosse hoje e nunca mais chegasse
e todas as noites fossem esta com os sonhos que tens.

Cumpre a Moira bem mandada e funde-te contigo
sem as ilusões incoerentes da diáfana loucura do que é teu.

[Mais para actualizar que por outra coisa,
ou vem a Nini ralhar-me subtilmente.]

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Claustrofobia.

É vazio áspero e perene que arde em ira consumida,
É angústia una e ubíqua que de ser parece inócua.
Se há brisa clara, é calor de jaula cercada de deserto
É ter o mundo pela frente e ser só em novelo de si.

É poço é abismo é céu é profundo nada!
É falha! É todas as horas que jamais,
Nunca! foram vividas e se perderam gastas pelo tempo.
É rasgar a alma do fundo pelo mundo!

É quebrar o ser no fim de tudo, antes sequer, contudo,
De o tudo poder, antes de mais, começar.
Claustrofobia exaurida de costas corcundas,
Pesadas de si e da nunca-existência em motins.

Liberdade! Eis que clamas e ninguém te ouve,
És-te acima das ondas do turvo mar dormente,
Submersa em desengonçadas empresas, míseras.
Não te custa mais ser nada em terra de loucos.

É o cansaço desbastador de ambições tamanhas,
É desmedida soberba, de homens senhora,
É condensado ridículo em mãos inábeis!
Oh, desafio que é a vida em desgraça tanta!

É a fuga e retorno ao pesadelo sonhado,
Caule de flor sem pétalas; nem bem-me-quer,
Nem mal-me-quer, nem me-quer-pouco-mais-ou-menos!
E no vento da tarde ficam os restos soprados da razão.

domingo, 31 de maio de 2009

Quero sentar-me na noite.

Quero sentar-me na noite e jogar às cartas com o Silêncio.
Esquecer que há mais que aquelas trevas banhadas de luz rasgada
e que aqueles momentos em que as horas não passam.

As cores fundem-se e mesclam-se suavizadas pelos candeeiros,
pelos travos de luar na língua - agridoces, amargura em pó -
pela companhia única que somos eu e o Silêncio.

Se eu não bisco ele não bisca e jogamos assim,
por turnos, este jogo de sorte do qual não gosto
mas serve de entretien e te enlaça e a mim.

Pergunto-me (escassos momentos, os pensamentos escorrem depressa
para o ralo de vácuo do sono) o que me faz a ti tão apegada.
E se não te quero comigo apenas canto.

Trazes contigo o calor da Raiva e o frio da Solidão,
e quando, nesses raros momentos de luto por ti,
vens só, somos quase amantes cansados, não é verdade, meu doce Silêncio?

Se cometêssemos o adultério das palavras,
tropeçando em votos teus por ti por mim por nós pelo resto,
abandonavas-me sem a misericórdia do relancear último.

Derrete a noite e embalamos estas histórias,
as encarnações que vivemos tantos e muitos anos,
és a minha ternura serena e eu sou a tua mundaneidade.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Aliterações da treta.

Oh caminhos vagos que vogo vagarosamente,
Varram de mim as veras verdades, vergonhosas!
Vivo vontades vastas e vívidas
Vivo vagas de vis oceanos verdes de vida.

Ah cantares calmos de coros castrados,
Corram as cores, as cortinas coloridas!
Canto canções criadas por querer
Canto cânticos incongruentes com o que creio

Ah mártires de mundos medonhos,
Mandem embora meus medos malditos!
Minto mitos mergulhados em mares mil
Minto maldições maravilhadas de maldade.

Ah se sonhasses sincera e sensivelmente,
Se soldasses sonhos e sonoridades sólidas!
Sou solidão que sobe sempre para cima
Sou ser sentido, serpente sombria de salvação.

domingo, 10 de maio de 2009

J'adore tien blog.

A culpa é da Leto, que eu não costumo meter coisas destas no IM! x) Agora tenho de cumprir regras. Ora vejamos.

1. Colocá-lo no meu blog;

2. Indicar 10 blogues que adore;
As Ameias do Crepúsculo (Se tu podes, eu também!)
Sonhos Rubeáceos
pseudo-reflexões
Noites de Tempestade

Lydo e Opinado
O Salmo dos Salmões

E fico-me por aqui que sou preguiçosa (mais que tu, Leto!)

3. Informar aos blogues indicados que receberam o selo;

4. Dizer 5 coisas que adore na vida e porquê.

Chuva.
Porque é uma realidade inconstante e melancolicamente alegre.
Certas e determinadas pessoas.
Porque tornam felizes os piores dias.
Música.
Porque tem um efeito parecido ao de certas e determinadas pessoas.
Escrever.
Porque olhem, idem.
EU!
Porque sim, claro.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O que amo.

Nada mais há que ame que não o amar alheio
O olhar que se derrama pelo soalho polido
A gargalhada ofuscada pelo silêncio,
shhhh.

Nada mais há, pois amo eu o que não me resta
A saudade do ontem que afinal não pode ser —
Não será, — transposta para o futuro
O que quando foi não o quis.

Não amo mais que isso, que o nada
Esse que se prende com os outros,
Com os abraços vividos em consonância com o tempo
Com as mãos enlaçadas em 'sperança.

Amo o dia que não é meu,
Amo a noite que nunca me toca,
As vidas que me roçaram
Tangentes, jamais me tocaram.
Amo o sempre e o todavia,
Quando se encontram nas encruzilhadas
Manchadas por tiras de medo.
Amo as horas que revoluteiam e se repetem
Sem jamais se repetirem.

Amo-vos, oh seres consagrados da injustiça,
Amo a Moira que fado traça e cumpre
Ainda que a odeie mais que à tesoura rangente.

Amo os caminhos destraçados e as práticas desfeitas
Os cânticos imbuídos de insignificância dramática
Expoente maculado de coisa nenhuma
que eu amo.

E vivo o que amo no amor alheio dos que amam mais que eu.

[Dedicatória às duas Ninis.]

quarta-feira, 29 de abril de 2009

A vida é um escorrega.

A vida não é um comboio, é um escorrega. Não há estações, paragens, apeadeiros ou cafetarias onde se possa beber um café enquanto viajamos. A vida só pára uma vez, é parecida ao tempo com a diferença que este não pára nunca, ou não seria tempo.
É um daqueles escorregas ondulados com subidas e descidas e, assim que passamos de uma para outra, o rabo bate no metal e fica dorido, talvez com umas nódoas negras que hão-de desaparecer ao fim de algum tempo. (Mas nunca sem se ficar com o traseiro calejado.)
A vida cansa, não há pausas para descansar nem momentos de contemplação sem que ela passe e estejamos a perder minutos e segundos. Podemos ficar, por vezes, talvez apenas alguns de nós, fartos de arrastar por ela as nádegas, ficando com elas rubras e a arder, e pode ocorrer-nos a ideia de saltar naquela altura, naquele instante, acabar com a dor e com os angustiantes altos e baixos. Se continuarmos, bem, continuamos, apreciamos a paisagem que se estende do alto do escorrega até chegarmos ao fim, finalmente, e cairmos abruptamente no chão de terra batida. Acaba o escorrega, a dor e a paisagem bonita.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Lancei-te ao mar no outro dia

.Lancei-te ao mar no outro dia e não esperei resposta
Coube-me o mundo nas mãos invertida fé no tempo

!"Antes no tempo que em mim! Rodei a vida nas mãos
Fiz-me de Moira santa enrolada em cetim de crenças"

.Sorri ao mar que t'engolira e não te voltaria a ver mais
Joguei atrás de ti dixe teu a que eu chamava quinquilharia

!"Pois que sabes tu de jóias se tens nas mãos o mundo
E afinal não era o mundo e era eu! Chamo-te eu vão"

.Virei o mar de reverso para te ver naufragar no profundo
Debrucei-me com cuidado por te querer longe de mim

!"E longe fiquei eu! Mais longe que o possível por nós e cordas
Viste-me naufragar e não me estendeste a mão quando sufoquei"

.Revirei de novo o mar e serviu-me agora de espelho rotundo
Emoldurado pelo céu e pela linha de fundo que é o horizonte

!"E eu lá fiquei no fundo! Queda e muda e afogada no azul
E tu sorriste-te e eu pensava que era a mim que sorrias"

.Oh tão amado que me fui quando te lancei naquele dia ao mar
E te esqueci. Esqueci a cor dos teus braços e o toque dos dedos

!"Pois se nos teus seguravas o mundo e todas as outras mãos
São vãos de escadas! E eu fico no fundo com a minha jóia"

.Sorri finalmente por último e virei costas ao mar e a ti
Depois que te lancei ao mar naquele dia e te esqueci

!"E eu fiquei no fundo do mar onde me lançaste! E já a morrer sorri
Enquanto viravas tu as costas a mim e ao mar onde pereci"

[Para o Colinas.]

terça-feira, 7 de abril de 2009

Dorme em paz.

e agora o que resta? talvez
um rol de memórias ou então
uma presunção de vida.
são ecos tão ternurentos daquilo
que foi e que agora vai continuar
a ser. porque não esquecemos e é
apenas uma noite e umas saudades
eternas vividas compartilhadas.
e quando despertam as lágrimas, elas e
as recordações, mantemos-te os palavrões
e as pragas. e para sempre refilarás
e para sempre estaremos cá para te ouvir.

dorme bem.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Perdemos todos os passos que demos

Perdemos todos os passos que demos
Passos foram-no em tempos, são ecos
Agora não servem mais que memórias.

Serenamente gozámos a juventude
Ficamos com o passado nas mãos
Pelas ruas gastámos os passos.

Deduzimos, pelo que vivemos,
Que não há vida justa nem subtil
Que de secreta não tem ela nada.

E todas as canções que cantámos
Oh, tantas, lembro-me de todas!
Deixaram na língua um travo azedo.

Jogámos as inócuas preces ao chão
E as noites pereceram no tempo quente.
Que visão exausta. Que tirano mundo.

[A todos os que me fazem sorrir.]

domingo, 22 de março de 2009

Soneto III.


Já bastou o tempo perdido em vão
Aperta-se-me de dores o peito
Faz-me me falta o que em tempos foi meu leito
Um dia lá deixei o coração.

Indiferente sou pois desde então
Eterna vivo num corpo imperfeito
Não é já meu ele também, entreguei-to
Lamento que lhe falte o coração.

E agora não resta mais que cinzento
Não sobra em mim mais que o imortal nada
Perdidos o coração e a vida.

Já não há cores; foram-se com o vento
Acabei. Não serei jamais lembrada
Minha alma não encontra lar, perdida.

Nini, que me ajudou.]

domingo, 15 de março de 2009

Perdi-te sob as chuvas.

Perco-te sob as furiosas chuvas de abril, Onde estás, mas é em vão e não te encontro mais. Apalpo pelas ruas e esquinas e vagueio em labirintos criados pela memória ou pela falta dela, sorteio destinos e escondo-me das gotas; porém elas perseguem-me e arrastam-se atrás de mim como eu me arrasto atrás de ti, Onde andas, mas não me ouves e não te encontro mais. Enregelo neste percurso trilhado de apatia porque já não sei há quanto tempo deambulo e o que encontrei até agora, enquanto gasto a garganta e chamo por ti, não sei se alto ou apenas num murmúrio cerrado, Vem ter comigo, mas a voz é rouca e não te encontro mais. Esqueço os nomes as datas as recordações e esqueço o mundo debaixo da chuva teimosa, essa de uma persistência que rivaliza a minha e que me estremece porque não me larga, não me deixa, não é a ela que eu quero, é a ti, Anda agora, não me deixes, mas só oiço a chuva e não te encontro mais. Já corri todos os lugares que eram nossos e todas as ruas onde deixaste o eco do teu riso, todos os cantos onde ficaram as mágoas das tuas lágrimas, Vem, por favor, mas os ecos e as mágoas desvaneceram-se e não te encontro mais.
Perdi-te e agora já não sei o sabor das tuas palavras, a cor das tuas manias ou a suavidade dos teus olhos. Perdi-te, e se fugiste ou se foi sem intenção tua não sei. Perdi-te e jamais agora te encontro, porque te perdi e agora sou eu que me perco sob as furiosas chuvas de abril.

[Para o Colinas.]

quinta-feira, 12 de março de 2009

Jardim de Sonhos.

Olha que tarde tão bela, meu amor. O sol derrete-se sobre as nossas peles que descalçámos para a Primavera; não há aqui lugar para pesadelos. Ficam longe, à distância de um anoitecer sereno e tardio, depois de um pôr-do-sol mavioso. Deixamos por terra, na erva verde que cresceu antes de tempo, perto dos trevos que não garantem a sorte, as mágoas e as iras, que neste momento fustiga-as Zéfiro por tão pouca compreensão.

Cheira a estio sem ainda ter chegado a nós Perséfone; sobe agora, decerto, as escadas dos subterrâneos de Hades, de passos apressados pela saudade da mãe (saudade essa nossa, tão nossa, do que foi e é e nunca do que será). Espera-a Ceres fecunda, mas ainda é cedo, ainda não a liberta o senhor das profundezas.

Que te parece do dia, meu amor? Não preciso de resposta, vogam sombras arbóreas pela tua face mas voga também um sorriso, que belo sorriso, sorriso belo como a tarde. Escuta, fecha os olhos e sente Artémis deslizando pelas frondosas copas em graciosos saltos.

O tempo passa mas temo a noite. Temo mais que a escuridão, temo os olhos cerrados e a consciência perdida, derramando-se pela cidade de infrutuosos recônditos. Estou aqui agora, porém, e agora não há noite, há tu, há eu, há nós. Rogo uma prece silenciosa a Morpheu e peço-lhe que afaste de mim seu vicioso irmão, que de meu sono mantenha Phobetor longe.

Ainda não é noite, e contigo não há pesadelos.


[Dedicatória.]

sexta-feira, 6 de março de 2009

As cores do coração.

A felicidade está pintada pelos cantos.

Subitamente, gostava de ter sido eu a escolher as paletas. Certamente optaria por outros tons. Um pouco mais de egoísmo, talvez uma dose mais pequena de compaixão. Emoções vibrantes de tonalidades claras mas carregadas, para melhor se ajustarem à alegria com que pretendo preencher as paredes.

No tecto colocarei a tristeza, claro.

Deixá-la-ei pender sobre mim e banhar-me com equilíbrio, sem a tornar pesada ou enfadonha, uma pincelada aqui de melancolia, outra ali de mau-humor, combinações encantadoras ornadas com pequenos candeeiros com velas de paz. Se tenho de meter cortinas, para que a luz não entre a jorros e me descolore os sentimentos com desmesurada abulia, talvez escolha umas de cor pacífica, como a tranquilidade ou a calma.

Aos quartos, esses, adequa-se bem a paixão e a solidão, que se equilibram bem numa balança, com esboços de decadência precoce. A cozinha será um antro de eficiência e sabores, deixo-lhe então destinadas a inspiração e a vontade de caotizar.

Por fora, enfim, essa é a cor impossível de definir. Se por dentro pinto das cores que quero o coração, por fora a aparência tem de ser única e uniforme. É cor de alegria a cair por cima de uma camada de apatia.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Soneto II.

São tão breves estes suspiros no fim
Revejo o que já foi, o que é passado
Perdoado foi já, esse pecado
Por favor, toma-me a mão, assim.

Pintei de branco as paredes em mim
Arrumei meu coração maculado
A s’prança guardei em baú fechado
Por favor, toma-me a mão, assim.

E s’um dia eu for tocada pelo mar
E se depressa chegar o meu tempo
Não fiques triste, to rogo, e sorri

Será tarde de mais para chorar
Ninguém ouvirá então teu lamento
Guarda antes minha mão para ti.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crença.

À Leto

Quebrei as convenções
Amaldiçoei credos,
Movi multidões
e nunca acreditei em mim.

Jurei verdades perversas
E entoei canções bastardas
Com minhas palavras controversas
e nunca acreditei em mim.

Seguiram-me reinos e reis
Gritei a quem me ouvisse:
“Desafiai-me, se vos atreveis!”
e nunca acreditei em mim.

Do que quis fui eleito senhor,
Espalhei boatos, rumores
Dei falsa alegria, era dor
e nunca acreditei em mim.

E agora que é tarde, o fim,
Ajoelho-me, peço a todos perdão
Garanto que é puro meu coração
e ainda não acredito em mim.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Soneto.

Não sei se te lembras daquele dia.
Éramos ambos tão vãos, tão perfeitos.
Nossas bocas rompiam-se em trejeitos
Que bela manhã! Tamanha alegria.

Tão suave era o céu; mesmo o sol sorria.
E só à vida estávamos sujeitos.
Sem seguirmos regras leis preconceitos
Sós, mas na mais perfeita companhia.

Tristes mendigos da inocência vã
Não queríamos nós a dor, jamais
Nada existia para alem de nós.

Mas o hoje acabou; é o amanhã
Sorri e disse-te “adeus, até mais”
Da memória fugiu a tua voz.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Caiemos as paredes de branco.

À Crook

Caiemos então as paredes de branco,
Porque o branco não fere os olhos.
Repousemos depois, a hora é boa,
Não compensa o cansaço, que a vida é breve.

Conhecer apenas entorpece os sentidos,
Atrapalha os claros juízo de valor.
Não tomemos para nós mais que as flores,
Mas depois larguemo-las, antes de murchas.

O que vivemos já nos chega, já nos basta;
Não queremos viajar pesados,
Se viajar é forçoso e viajamos no tempo.
O Fado prende-nos e de que vale a rebeldia?

Acreditar em algo mais que no tempo,
Deixa que te diga, sem mais rodeios vãos,
É coisa fútil, bem o sabes.
Agarra agora teu coração, ata-o a ti.

Que não te fuja a glória enquanto crianças somos,
E se crianças formos para sempre,
Mesmo adultos sisudos austeros exasperados,
Seremos gloriosos com o esplendor dos que não crescem.

E quiçá seremos mais bem-amados,
Talvez o tempo nos perdoe as falhas e os medos.
Vivemos porque nos passa o tempo,
Devemos a vida à mortalidade.

Sente-o, escorre por ti e toca-te a pele,
Parece o vento, mas o vento não traz o fim.
Sopram-se as flores do teu regaço para o longe
E espalham-se no horizonte para lá, para céu.

Cantaria se minha voz fosse mais que efémera,
Sorriria se meu sorriso te tocasse;
Não dura mais que um momento,
Não te toca senão os olhos.

E apartados somos tão próximos quanto juntos,
Nunca estendemos os braços, não há enlaces,
Quão fútil seria o amor, esse duvidoso,
Se reduzido a troca de toques.

Não tenhas pois medo do tempo,
Queda-te e vive e sabe o que é viver,
Que não é mais que sentir o tempo escoado,
E das memórias despoja-te.

Eu ficarei aqui, (em qualquer lado é bom,
Todo o lado é o mesmo) a ver-te,
E de ti recolherei apenas os olhos.
Serão, no fim, oferendas a Caronte.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Queda.

Tanto ascendeste, meu amor,
que agora desconheces,
na tua cega apatia do apogeu,
que a queda é maior que a escada.

Nunca subiste tanto, meu amor,
nunca antes tocaras o céu,
e agora não sabes como é duro,
como descer é o único caminho.

Não temeste por ti, meu amor,
enquanto eras tão áureo e ofuscante,
refulgias como sol poente,
todo tu ouro polido.

Não temeste pelos outros, meu amor,
pelos que te tomaram por deus,
um culto que te vangloriava,
arrastando atrás a glória.

E agora que tens de descer, meu amor,
perdes-te e devaneias sonhos alucinados,
o medo toma de ti conta,
estremeces ao deixar para trás o estio.

Arrastaste contigo as cores, meu amor,
nessa tua queda espiralada no nada,
manchaste o negro de cinza,
estás agora moribundo, enfim.

Chegou agora o final, meu amor,
sopra pois teu fôlego último,
suspira dó e lamento fúnebre,
deixa-me desencantada carpideira.

Velo agora por ti, meu amor,
por tua mente quebrada e ida,
demasiado depressa desceste,
foi teu o fim mas eu fico morrendo.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Duas e dezassete.

São duas e dezassete e
o meu coração fechou portas.
Hoje não entra mais a vida,
quero-a lá fora,
aqui está muito apertado.

Amanhã veremos,
talvez seja mais arejado o dia.
Por enquanto fico só eu,
eu só, sozinho,
e bem me chego.

Fechou portas meu coração,
cansado, e expulsou a vida.
Vagabunda, que se aproveita
da sua simpatia generosa.
Que desfaleça.

Quiçá hoje seja tarde,
não tarda é cedo.
Cedo demais, e assim me vivo
e vive o meu coração,
de portas fechadas por hoje.

Hora-má a de ponta,
faz a vida fila a par com o tempo.
Entopem-me a apatia
e bloqueiam-me o sono,
cruéis.

São ainda duas e dezassete,
e o meu coração está de portas fechadas.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

I

Quero sentar-me na noite e
jogar às cartas com o Silêncio.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Estrela Minha.

«Numa noite de Maio com grossas estrelas no ar largo, olhei para as minhas mãos e vi uma nódoa branca.»
Os passos em volta de Herberto Hélder

O meu aceno não continha qualquer felicidade, nem te olhei sequer. Foram aqueles segundos em que nunca me percebeste, em que, aposto, me amaldiçoaste. A minha indiferença confunde-te. Acelerei o passo, o alcatrão marchando debaixo das solas com desenhos de árvores, que de quando em quando me incomodavam por terem um ligeiríssimo salto. Nunca tivera jeito para me equilibrar.

Cantavas baixinho, tentando ignorar que te ignorava, na tua voz um timbre que me soube a lâmina de frieza. Sim, estavas a ser fria comigo, outra vez. Se era certo que em breve te esquecerias do que acontecera, eu ficaria a remoê-lo pela noite fora. Nunca te servi de grande companhia e, no entanto, insistias em acompanhar-me com a tua companhia, nas caminhadas que eu suportava por achar que me faziam bem para espairecer.

O teu silêncio de palavras com sentido até a mim me irritava, ou seria antes a tua paciência. Não tentaste meter conversa. Eu podia ser teimosa e orgulhosa, mas não era a única. Talvez estivesses apenas cansada de respostas monocórdicas ou, mais simplesmente, de nenhuma resposta. Ainda assim, não me conseguia arrepender de ser eu.

Perguntei-me se falarias antes de chegarmos. Estava a ficar frio, mas não quis acelerar o passo, quanto mais tarde melhor. Voltar para aquela casa era uma perspectiva ainda mais gelada que a de caminhar morosamente com calada resolução.

«Está um céu bonito.» Ah, cedeste, eu sabia que serias a primeira a fazê-lo. Ergui um dos cantos da boca na escuridão. Tu não viste.

«É normal. Aqui não há muitas luzes.» E não havia. Não havia a cidade que engolia o escuro.

«Mas não é só isso. É que… Olha!» Apontaste para o céu, e eu vi-a, ao mesmo tempo que tu. Deslizava pelo manto quase violeta, sulcando as trevas com a sua luzinha tão breve. «Vamos procurá-la!» Ficaste louca, pensei. Mas o rasto branco não me deixara os olhos, depois de ter desaparecido.

Encolhi os ombros. «Se é isso que queres.» A minha indiferença soou-me abalada. Sorriste tão ofuscantemente quanto a estrela cadente.

Segui-te; sabias melhor que eu para onde ir. Quando paraste julguei-te perdida. Mas fitavas o chão e eu fitava-te. A tua face estava iluminada pela alvura da estrela caída, que não cintilava mas era como um candeeiro estragado, acendendo e apagando intermitentemente.

«Que fazemos com ela?» Ignorei-te de novo, mas tu perdoaste-me, perdoas-me sempre.

Toquei a extravagante fonte de luz e senti-a quente e suave contra a minha palma. Queimou-me a alma. Sufocando por dentro, sem sentir o ar mas, ainda assim, respirando tranquilamente, passei-ta, que egoísta da minha parte, dar-te o meu sofrimento. Não te queixaste porém, suspiraste deliciadamente e aninhaste a estrela nas mãos. Nas minhas restava uma nódoa branca de vergonha.


[Para o Colinas.]

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Meu aquecedor.

Não quero perder
As horas que passam,
Não quero esquecer
Os segundos que fogem.

Desejo pois, inocente,
Que de mim não se apiedem;
Criança eternamente,
Vivendo à beira do tempo.

Mas se o tempo não passa,
Ai de mim!, não te sinto.
Se os segundos fogem, que desgraça,
Os momentos nunca chegam.

Na minha pele beijo gelado,
É de frio meu estremecimento.
Não me aquece o tempo, amaldiçoado,
Sem sensibilidade de corpo.

E és tu, então,
Meu relógio de tempo parado,
Tu, tua fria mão,
Que aqueces meu dia cansado.


[Dedicatória.]