sexta-feira, 11 de abril de 2008

Manhã.

Dedos da manhã amam-me
e eu odeio-os.

I

Rastejam, abraçando o gelo em pó
que restou da noite cansada.
Já perdi as metáforas de antigamente;
onde as deixaste nos teus retratos a sépia?
Sangria, sangue, cor-de-vinho,
um alegre festejo a Baco.
Arquejos escapam-me,
garfadas de requintado banquete
tragadas de meu peito ante as luzes,
lâmpadas de génios que pereceram de desejos.

(07.04.08)


II

A sua volúptia mórbida é antítese
da minha repugnância de palavras alheias
(seja isto o que for, se não mais que fonemas).
E os dedos são mãos que resvalam
contra o embaciado dos vidros,
e marcam efémeras formas transparentes
que para mim não têm significado.
O mundo é baço através do falso cristal
temporariamente opaco.
Vou deixar-me de perguntas retóricas.

(08.04.08)

III

Se me dartejarem o casaco e me sacudirem o cabelo
não arrastam do chão a minha solidez.
Nem quando encontro abrigo sob canos,
com foscas lâmpadas, cacifos chicoteados
e extintores - carros de bombeiros em miniatura.
Masmorras com portas de luz intermitente
e instrumentos de tortura inutilizados,
ou talvez seja uma hipérbole das horas.
É cedo.

(09.04.08)

IV

Espelhos-janelas de bibliotecas,
madeira e azul e metal e papel,
arrastam-vos para mim com anzóis de vento
e ainda vos repudio.
Pilhas de jornais que evocam Echos
e Narciso ainda espera, homem-flor
(há quem diga que tal não é possível,
mas que sabem os que mesclam o horizontal e o vertical?)
Oh, injustiça, [adversativa] que faço eu aos
excedentes de tempo que me faltam?

(10.04.08)

V

São repetições e infinitos em espelho
que se prendem em círculos virtuosos.
Todos os dias se renovam, indefinidamente,
promíscuos omnipresentes,
enquanto eu almejo completar-me,
e as horas pesam-me de experiência
sem que eu me possa diluir como vós.
Ignoro os rastejos, vossos vestígios moribundos,
porque todos os meus gritos são de alegria.

Mes cris ne sont que de joie.

(11.04.08)

1 comentário:

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Lindíssimo, jovem senhorita.

Como sempre, uma beleza extenuante ^^