segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Noite.

«A frescura verde do dia escorrera das árvores»
in O Deus das Pequenas Coisas, de Arundhati Roy


Olhei, e já tardavam as cores em fugir do dia. Tardava o entardecer da tranquilidade que amava. Ainda não desaparecera o sol que eu sabia descer, mas que se me assemelhava imóvel e quedo, sem se aperceber deste meu desejo de que o tempo passasse e deslizasse para o longe. As estrelas ocultavam-se ainda, não ousando subir por mim no céu de plástico pespegado a nuvens de fita-cola opaca.

"Porque demoras?", perguntei. "Que te detém?"

Respondeu-me a noite. "Estou cansada." A voz arrastada vinha da distância, de um longínquo afastado de mim. "Cansada de me erguer incessantemente sem propósito que este de seguir um vício."

E imóvel se quedou, e imóvel ficou o céu e as estrelas não surgiram. Esperei, e não escutei os ruídos do crepúsculo. Suspirei, e aguardei pela continuação.

"E destas celebrações em minha honra, que amam vós para além do escuro que vos ofereço e do silêncio que não é só meu?"

"Amamos-te, oh noite, Amamos-te e aos teus cantares que não são mudos, porque se espreguiçam sobre nós ternamente. E ouvimos-te, e desejamos-te, porque és tal antítese que deslumbras e ensombras. Amamos mais que essa tua escuridão que derrubas sobre nós qual frasco derramado. Amamos o luar e falta dele, aquela luminosidade suave das estrelas a que já nos apegámos desde que as memórias têm tempo. Espalha-te, oh noite, antes que seja tarde e reine para sempre este sol pousante, aquela bola fogosa que não ilumina nem permite as trevas, e sem as ambiguidades que sois, que somos nós?”

E a noite não respondeu. Mas as cores derreteram-se e o escuro chegou. Finalmente. No meu nicho de solidão agradecida e exausta, fechei os olhos e senti a noite. «A frescura verde do dia escorrera das árvores» e a obscuridade manchara os tons, e eu adorei mais que nunca o tardio entardecer.


[Colinas, 10/11/2008]

1 comentário:

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Lindíssimas descrições!

Quando for grande quero escrever como tu OO *em tom infantil e com os olhos a brilhar*

Beijinhos!